Ler Registros Transitórios de Dinghai – Capítulo 47 Online

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 “…Eu só quero que este banquete nunca acabe.”

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Metade de um shichen depois, Xiang Shu e Chen Xing pareciam duas pessoas que haviam sido pescadas da água. O capitão gesticulava e falava muito, enquanto Chen Xing só conseguia acenar repetidamente com a cabeça. Já Xiang Shu estava sentado no chão, em um canto da cabine do capitão, encostado na parede de madeira, ouvindo de olhos fechados.

Este era um navio mercante de Goguryeo que descia para o sul, em direção a Jiangnan, para comércio. A rota passava primeiro por Shangyu, depois seguia para o norte, atravessando Jiankang e Jiaozhou, antes de dar uma volta completa e retornar a Pyongyang. Na ida, o navio estava carregado de produtos como ginseng e peles, enquanto na volta trazia chá, seda e porcelana do sul para Pyongyang. O capitão era um homem Han e, em todos os seus anos de vida, era a primeira vez que via uma criatura como Sima Wei. Depois de ser questionado por um bom tempo, Chen Xing respondeu de forma evasiva, contando algumas lendas populares. Disse apenas que era um exorcista, que Xiang Shu era seu Protetor e que os dois viajavam juntos, capturando yaos para as pessoas. No Monte Baekdu, haviam encontrado essa criatura e foram perseguidos até ali… mas, no momento crítico, Chen Xing conseguiu “comover os céus” e invocar um raio divino que caiu do céu…

“Poupe suas energias”, Xiang Shu finalmente não aguentou mais e cortou, impaciente: “Você não está cansado?!”

Enquanto falava, Chen Xing tirou o dinheiro que havia ganhado ao penhorar o capacete de Sima Wei e o entregou ao capitão: “Foi mais ou menos isso que aconteceu. Este dinheiro pela viagem é um humilde gesto de nossa gratidão. Por favor, nos deixe embarcar…”

“Vocês exterminam o mal em nome do povo, não posso aceitar! Não vou aceitar!” O capitão recusou prontamente. “Se não se importarem, fiquem a bordo conosco por alguns dias.”

Para os marinheiros, as maiores ameaças sempre foram as tempestades e os yaos das lendas. Ter um exorcista capaz de invocar raios divinos a bordo significava que a viagem seria tranquila — o capitão não poderia estar mais feliz. Imediatamente, ele providenciou um quarto limpo para que os dois pudessem descansar.

Além da carga, o navio também transportava alguns estudantes de Pyongyang que viajavam para o sul em busca de conhecimento. Dentro de suas possibilidades, o capitão ofereceu a Xiang Shu e Chen Xing o melhor quarto disponível — um aposento com janela, mas com apenas uma cama.

Chen Xing já estava mais do que satisfeito.

O capitão continuou a explicar que aquela era a primeira viagem para o sul do ano, o que era muito importante para ele. Mesmo com o tempo tempestuoso, eles precisavam zarpar de qualquer jeito. A tempestade estava mais forte hoje, mas ficaria tudo bem depois que chegassem em mar aberto e saíssem da área de chuva intensa. Ele até mandou preparar um braseiro para que os dois pudessem se aquecer.

◈ ◈ ◈

Depois de passar tanto tempo encharcado pela chuva, Chen Xing estava completamente encharcado — desde o manto exterior até as roupas íntimas. Ao entrar na cabine, não conseguiu conter um espirro.

Chen Xing perguntou a Xiang Shu, com expectativa: “Como você soube que eu tinha sido capturado?”

Xiang Shu respondeu, casualmente: “Eu não sabia que você tinha sido capturado.”

Chen Xing: “Então, por que você…”

Xiang Shu respondeu: “Achei que você tinha fugido de novo e vim te dar uma surra!”

Chen Xing: “…”

Xiang Shu trancou a porta com a trava e começou a tirar a roupa, fazendo um gesto para Chen Xing.

“Tire a roupa”, disse Xiang Shu, olhando para ele como se não o reconhecesse. “O que você está fazendo aí parado?”

Chen Xing de repente ficou um pouco envergonhado. Tirou as roupas e as jogou para Xiang Shu, pulando rapidamente na cama completamente nu, cobrindo-se com uma colcha. Xiang Shu, não fez cerimônia. Despiu-se até ficar totalmente nu, enrolou uma toalha na cintura, pegou as roupas sujas e as colocou em um cesto. Abriu a porta brevemente para deixá-la do lado de fora, junto com algumas moedas dentro e instruiu um tripulante a lavá-las e engomá-las, para depois devolvê-las secas no dia seguinte.

◈ ◈ ◈

Assim, os dois ficaram sem roupas e só podiam se encarar abertamente no quarto o dia todo.

“Xiang Shu?” Chen Xing perguntou novamente.

Xiang Shu estava se lavando no compartimento ao lado. Fez um gesto para Chen Xing ir se limpar também. No compartimento, Chen Xing comemorou: “Tem água quente?! Que maravilha!”

Ao sair do banho, Chen Xing descobriu que haviam trazido comida quente para o quarto: um ensopado de peixe e camarão, acompanhado de um pouco de carne com molho e uma jarra de vinho aquecido. Evidentemente, o capitão havia ordenado que a cozinha do navio enviasse as refeições. Xiang Shu cobria a virilha com uma toalha e, assim mesmo sentado, começou a servir uma taça de vinho para si.

Depois que comeram e beberam à vontade, Chen Xing finalmente se sentiu um pouco melhor. Ele se encolheu para o lado interno da cama e seu coração inexplicavelmente começou a bater descontroladamente. Não era a primeira vez que ficava nu diante de Xiang Shu, nem a primeira vez que dividia uma cama com ele. Mas desta vez, por algum motivo, ele continuava se sentindo um pouco envergonhado.

Xiang Shu olhou para Chen Xing e pareceu hesitar por um breve instante.

“Dormir?” Chen Xing ofereceu, encolhendo-se ainda mais para o lado interno da cama. “Vamos descansar um pouco.”

A viagem de navio de Goguryeo até Shangyu, no sul, levaria pelo menos meio mês mesmo com ventos favoráveis. Durante todo esse tempo, ele e Xiang Shu estariam confinados naquele mesmo quarto. Não… Quando estavam em Chi Le Chuan, haviam compartilhado o mesmo teto e as mesmas refeições diariamente sem qualquer problema, certo? Será que era por terem que dividir a mesma cama?

Por alguma razão, a atmosfera no quarto de repente ficou um pouco ambígua.

Xiang Shu então tirou a toalha e simplesmente subiu na cama desse jeito, deitando-se junto a Chen Xing sob a mesma colcha.

Chen Xing acidentalmente tocou a pele ardente de Xiang Shu. O leve contato de seus corpos fez o coração de Chen Xing disparar, ele subconscientemente se afastou um pouco mais. Xiang Shu pareceu perceber o constrangimento e se esforçou para evitar que os dois se tocassem enquanto se deitava lentamente.

No meio da tempestade, o navio balançava levemente. A cama era extremamente estreita e pequena. Sob a colcha, Xiang Shu apoiou um pé na lateral da cama para se firmar e não espremer Chen Xing contra a parede. Enquanto isso, Chen Xing fazia o possível para se encostar na parede.

“Eu…” Chen Xing quis puxar conversa para se distrair, mudando discretamente de postura, com medo de que Xiang Shu percebesse a reação do seu corpo. Ali, naquele momento, o calor escaldante sob a colcha e a breve sensação de seus corpos se tocando sem barreiras fizeram a imaginação de Chen Xing correr fora de controle.

A voz de Xiang Shu soou visivelmente um pouco estranha. “O quê?”

“Você deve estar cansado.” Chen Xing virou a cabeça e olhou para Xiang Shu.

“Estou bem.” Xiang Shu permaneceu de olhos abertos, olhando fixamente para o teto.

O navio balançava suavemente na tempestade. As janelas, embora fechadas, não estavam bem vedadas, deixando entrar uma brisa fria na cabine. Era o início da primavera, o gelo ainda estava derretendo e o tempo ainda estava extremamente frio. Chen Xing se encolheu sob a colcha, tremendo levemente.

“Quando você vai voltar?” Chen Xing lembrou-se agora – depois do reencontro, tudo lhe parecia tão natural que até se esqueceu de perguntar a Xiang Shu sobre Karakorum e Chi Le Chuan.

Xiang Shu não respondeu. Chen Xing pensou: É tudo culpa minha de novo. Fiz você atravessar milhares de li até aqui só para me salvar, e agora que o navio está indo para o sul, não há como saber quando você voltará.

“Você… contou para sua tribo?” Chen Xing perguntou.

“O quê?” Xiang Shu respondeu com indiferença.

“Sobre vir me salvar.”

“Não”, respondeu Xiang Shu, casualmente.

“E Xiao Shan?” Chen Xing perguntou novamente.

“Mandei ele de volta”, disse Xiang Shu. “Mas não sei se os Xiongnu vão dar conta dele.”

Chen Xing: “Então, você vai comigo para o sul?”

Xiang Shu virou-se levemente, mudando de posição, e respondeu: “Depende.”

Chen Xing ficou em silêncio por um momento antes de dizer: “Agora há pouco, eu estava só falando à toa na frente do capitão, não leve isso a sério.”

Xiang Shu: “?”

Xiang Shu lançou um olhar perplexo a Chen Xing, finalmente entendendo que ele se referia ao fato de tê-lo apresentado como “Protetor” aos outros sem antes consultá-lo – e agora temia tê-lo irritado novamente.

“Obrigado”, Chen Xing disse com um sorriso. “Mesmo sem saber o que você realmente pensa de mim, eu achava que você não viria me buscar.”

“Por quê?” Xiang Shu perguntou de volta. “É assim que você me vê?”

Chen Xing se apressou a explicar: “Você é o Grande Chanyu, tem suas responsabilidades, seria natural que voltasse… Xiang Shu, o que quero dizer é que, se você não se importar…”

Xiang Shu franziu levemente as sobrancelhas e olhou para Chen Xing. Reunindo coragem, Chen Xing finalmente disse o que pensava. Embora Xiang Shu já o tivesse rejeitado uma vez, agora eles provavelmente estavam mais próximos do que antes, e para Xiang Shu, eles compartilhavam o mesmo objetivo, então…

“…Eu prometo que não vai demorar muito”, disse Chen Xing com um tom levemente apreensivo. “Você poderia me acompanhar assim por algum tempo? Não vou falar nada sobre ser meu Protetor ou coisa do tipo, mas sei que contando apenas comigo mesmo, provavelmente não conseguirei…”

“Desde criança”, Xiang Shu virou a cabeça subitamente, deixando de olhar para Chen Xing, e falou lentamente, “eu sabia que um dia me tornaria o Grande Chanyu dos Dezesseis Hu.”

Chen Xing: “?”

Chen Xing encarou Xiang Shu, atordoado. A ponte do nariz, os lábios e os contornos do seu perfil eram perfeitamente desenhados, mas não parecia ser resultado de embelezamento. Era uma beleza masculina natural, genuína.

Xiang Shu franziu ligeiramente as sobrancelhas antes de continuar: “Depois que meu pai faleceu, assumi naturalmente o peso de ser o Grande Chanyu. Os problemas do meu povo são meus problemas, e as calamidades que eles enfrentam também são minhas.”

Chen Xing disse: “Sim, por isso eu estava pensando que você terá que voltar um dia. Mesmo que você queira, não posso monopolizar…”

“Então, um dia”, continuou Xiang Shu, “você veio até mim e me disse que precisava de um Protetor, e que eu sou esse ‘Protetor’. E assim, essa responsabilidade se expandiu de Chi Le Chuan para o mundo inteiro.”

Chen Xing disse, desamparado: “Eu também não queria, mas…”

Xiang Shu: “Mas, durante todo esse processo, ninguém nunca me perguntou o que eu queria fazer.”

Chen Xing: “…”

“Nunca”, disse Xiang Shu com seriedade. “Nunca me perguntaram: ‘Shulü Kong, você está disposto a se tornar o Grande Chanyu?’ E você também nunca me perguntou se eu queria ser seu Protetor.”

Após falar, Xiang Shu franziu o cenho novamente, virando a cabeça para observar Chen Xing de lado, como se buscasse a resposta em sua expressão.

Suas sobrancelhas franzidas relaxaram, então ele ergueu uma sobrancelha para Chen Xing.

Chen Xing respondeu: “Agora eu entendo, Xiang Shu.” Ao dizer isso, um sorriso repentino iluminou seu rosto. “Então era isso… você achou que eu não te respeitava. A culpa foi minha, naquela época… eu realmente não havia pensado nisso.”

Xiang Shu: “Eu sou diferente de você. Você quer ser um exorcista…”

“Claro que não.” Desta vez, foi Chen Xing quem o interrompeu. “Se eu tivesse escolha, acho que… não estaria tão disposto a ser um. Admito que no começo não considerei seus desejos, mas quero explicar: eu também sou assim. Há muitas coisas que preciso fazer, mesmo sem ter escolha.”

“Então por que você quer ser um exorcista?” Xiang Shu perguntou, visivelmente intrigado. “Você não pode simplesmente ser você mesmo?”

“Eu quero, eu também quero ser eu mesmo. Muitas vezes me pergunto: ‘Por que eu?’” Chen Xing se lembrou da voz em seu coração quando tentou controlar o Espelho Yin-Yang pela primeira vez.

“Mas meu pai costumava dizer, quando ainda estava vivo: ‘Como poderia haver tantas pessoas neste mundo capazes de fazer o que bem entendem?’ Nesta vida, aqueles que podem viver conforme seus desejos são verdadeiramente abençoados. Há muito mais pessoas que simplesmente seguem vivendo, carregando fardos que devem suportar em obediência ao Mandato do Céu. É verdade que isso é muito injusto, mas, olhando por outra perspectiva, isso não pode ser a expectativa que os Céus têm para cada um de nós?”

“Expectativas?” Xiang Shu respondeu com desdém. “Isso não passa de mera resignação.”

Chen Xing finalmente compreendeu a razão pela qual Xiang Shu havia recusado ser um Protetor desde o início. Ele disse, aliviado: “Então, no fim das contas, ambos estamos apenas nos submetendo ao que chamam de ‘Vontade do Céu’.”

O navio balançava suavemente com as ondas. A chuva parecia ter parado, restando apenas o som ritmado das águas batendo contra o casco. Chen Xing e Xiang Shu permaneciam deitados lado a lado em silêncio. Por um momento, ninguém falou.

“Então o que você quer fazer?” Chen Xing sentiu que sua compreensão de Xiang Shu estava sendo renovada. De repente, sentiu que a conversa deles era muito tranquila; era uma paz que vinha do fundo de seus corações. Depois de abandonarem tudo no mundo exterior, eles estavam se olhando como iguais para entender o lado mais sincero um do outro.

“Às vezes”, disse Xiang Shu, “eu quero que minha mãe volte à vida, e meu pai também, para vivermos juntos além da Grande Muralha, como era antes.”

Chen Xing não pôde evitar olhar para Xiang Shu, mas ele estava de olhos fechados.

“Mas as coisas não acontecem como a gente quer. Eles estão todos mortos”, Xiang Shu murmurou. “Meu Anda também está morto, todos se foram… como um banquete realizado durante o Festival do Final do Outono. Depois que todos terminam de beber, eles se despedem e vão para onde deveriam ir. E o que eu quero é fácil de dizer, mas também muito difícil…”

“…Eu só quero que este banquete nunca acabe.”

Xiang Shu ficou perdido em pensamentos por um momento, lembrando-se do dia em que se despediu de seus companheiros de tribo que permaneceram em Karakorum, mas não contou mais detalhes a Chen Xing.

Essa conversa parecia não ter significado, mas para Chen Xing, parecia marcar o início de mais uma etapa de sua vida, que não lhe restava muito tempo. Assim como um navio que deixou a tempestade, finalmente navegava para um mar calmo e tranquilo.

“…Os que me conhecem, dizem que eu tinha o coração triste.

Os que não me conhecem, dizem que eu buscava algo.”

“Ó Céu distante e azul, por qual homem isso foi causado¹?” 

Chen Xing cantarolou suavemente enquanto o navio balançava.

“E você?” Xiang Shu perguntou.

Chen Xing hesitou e disse: “Talvez… eu queira conhecer a vastidão da Terra Divina. Ir aos lugares que li nos livros, mas nunca tive a chance de visitar.” Enquanto falava, o futuro que imaginava parecia se tornar mais claro. “Depois de percorrer montanhas, rios, lagos e mares, irei para Jiangnan, encontrar um lugar tão belo quanto uma pintura para viver, encher o pátio de glicínias e, quando florescerem…”

Chen Xing sorriu com um misto de tristeza e doçura ao dizer: “Eu poderei ler livros sob o caramanchão de flores… você gosta dessa ideia? Se houver uma chance, você será bem-vindo para visitar minha casa. Tudo bem se quiser ficar e não partir também… se houver uma chance, hm… desde que haja uma chance.”

Chen Xing levantou a mão, a luz fraca da Lâmpada do Coração emanando da palma de sua mão. Ele a pressionou suavemente contra o peito nu de Xiang Shu sob a colcha e, naquele momento, a força da Lâmpada do Coração correspondeu ao batimento cardíaco firme e poderoso de Xiang Shu, e uma luz brilhante penetrou pela colcha.

Chen Xing disse: “Xiang Shu, eu gostaria de te perguntar isso mais uma vez, adequadamente.”

Xiang Shu continuou a olhar para Chen Xing.

“Antes que o futuro chegue”, disse Chen Xing, “você pode me acompanhar por um tempo? Não importa o que aconteça, eu preciso de você. Sei agora que você não quer ser ditado pela responsabilidade. Eu só queria perguntar, se te dessem a chance de escolher novamente, você poderia…”

“Vou pensar a respeito”, respondeu Xiang Shu.

Chen Xing sorriu. Ele sabia que aquelas palavras significavam que Xiang Shu havia concordado.

A tempestade recuou. O navio deslizava suavemente pelo mar. Uma lua brilhante banhava o mundo em sua luz prateada, enquanto ventos vigorosos encheram as velas, impulsionando a embarcação em direção ao mar branco-prateado que se estendia à frente.

Chen Xing sussurrou na tranquilidade: “Às vezes, sinto que essa tal ‘responsabilidade’ significa que há alguém lá fora que precisa de você. Seja a Terra Divina, a Terra, as pessoas comuns, ou todos os seres vivos… esse tipo de ‘necessidade’ nunca oferece qualquer retribuição, mas nós sempre fazemos de bom grado o nosso melhor para cumprir essas expectativas, assim como qualquer outra pessoa faria quando é necessária para outra. Esse sentimento não é muito bom?”

Xiang Shu não respondeu. Chen Xing se encolheu debaixo da colcha. Depois de muito tempo, ele pensou que Xiang Shu já havia adormecido.

“Está com frio?” Xiang Shu perguntou.

“Não.”

O lado de Chen Xing na colcha estava levemente úmido, deixando-o desconfortável e fazendo-o tremer sem parar.

Xiang Shu: “Vem mais pra cá.”

Chen Xing se inclinou para mais perto de Xiang Shu e imediatamente se sentiu mais aquecido. Foi então que uma onda mais forte balançou o navio, fazendo-o inclinar levemente. Num movimento natural, Xiang Shu recolheu as pernas e – quase como se o mar tivesse conspirando a favor – acabou puxando Chen Xing diretamente para seu abraço.

Chen Xing estava com o corpo inteiro encostado em Xiang Shu, e sua respiração acelerou imediatamente. Ele se afastou um pouco para não deixar as coisas muito estranhas para os dois.

As ondas batiam uma após a outra, empurrando-o repetidamente em direção a Xiang Shu. Chen Xing tentou estabilizar o corpo, então levantou a mão, mas não tinha onde colocá-la. Depois de um momento de hesitação, acabou por envolvê-las nos ombros de Xiang Shu, depois em seu pescoço, e os dois ficaram colados um no outro.

“Entendi”, disse Xiang Shu no final.

Chen Xing não ouviu essas palavras — adormeceu quase imediatamente. O corpo de Xiang Shu era incrivelmente quente, então ele não conseguiu evitar a vontade de se aninhar mais perto. No entanto, ele podia sentir que Xiang Shu se mexia inquieto, como se estivesse agitado e atormentado por Chen Xing. Ele continuava a acordar de forma intermitente e, depois de um tempo, não se importou mais e simplesmente relaxou, soltou suas restrições e abraçou Chen Xing.

◈ ◈ ◈

Na manhã seguinte, quando Chen Xing acordou, encontrou suas roupas dobradas ao lado do travesseiro e uma colcha nova o cobrindo.

Chen Xing: “???”

Chen Xing tinha certeza de que o cobertor havia sido trocado. A cama, hoje, estava visivelmente diferente da de ontem.

“Xiang Shu?” Chen Xing disse. “Xiang Shu? Onde ele está?”

Depois de tomar café da manhã, Chen Xing encontrou Xiang Shu no convés. Xiang Shu havia trocado de roupa e estava sentado, tomando chá com o capitão. A brisa do mar soprava e o sol brilhava intensamente.

“Por que a colcha…”

“Não sei!” Xiang Shu disse, impaciente.

“Uau!” Chen Xing se postou em frente ao mastro, de cara para o vasto mar. Xiang Shu fez um sinal com a cabeça para o capitão antes de voltar para a cabine com Chen Xing, então jogou um embrulho para Chen Xing dar uma olhada.

Dentro do pacote estavam dois artefatos mágicos que Xiang Shu trouxera de Karakorum: o Espelho Yin-Yang e o Tambor Zheng, além dos quatro anéis-selos que o Rei Akele lhe presenteara como auxílio médico. Ao ver os objetos, Chen Xing sentiu uma pontada de saudade — uma melancolia suave ao recordar as pessoas por trás deles. Examinou cada item com cuidado antes de guardá-los. Em seguida, voltou sua atenção para o resto do conteúdo que Xiang Shu havia apressadamente reunido: uma flauta Qiang e uma caixa estreita, destrancada. Ao abri-la, encontrou dois pergaminhos de pele de carneiro enrolados juntos, amarrados com uma corda de lã. O material parecia bastante antigo, tingido por um leve tom púrpura.

Era essa a Grande Conferência de Ouro do Pergaminho Púrpura do Chanyu que Fu Jian sempre cobiçou? Chen Xing pensou na expressão Conferência de Ouro do Pergaminho Púrpura, mas depois de dar uma olhada, achou que não parecia ser isso. Aquele pergaminho de pele de carneiro não tinha sangue. No entanto, ele controlou sua curiosidade e não remexeu nos pertences de Xiang Shu. Depois de fechar a caixa, ele a guardou, e assim que o fez, Xiang Shu voltou.

“O que fazemos depois de chegarmos a Shangyu?” Xiang Shu perguntou.

Chen Xing disse: “Vamos para Jiankang e procurar o amigo do meu Shifu. Você se lembra das duas outras imagens no livro de Zhang Liu?”

Xiang Shu mostrou a Chen Xing que, quando estava em Chi Le Chuan, havia restaurado grosseiramente as três figuras.

Existem muitas pessoas talentosas no Sul. Após a migração em larga escala para o Sul, um grande número de textos antigos foi preservado. Embora muitas famílias de exorcistas tenham abandonado a profissão após o Silêncio de Toda a Magia e se tornado estudiosos ou agricultores, ainda sabiam um pouco sobre o passado. Chen Xing tinha que primeiro avisar a Xie An, depois reunir os antigos exorcistas para discutir contramedidas e procurar o paradeiro da Pérola Dinghai.

“O que você está escrevendo?” Xiang Shu viu que Chen Xing estava escrevendo cartas na cabine nos últimos dias.

Chen Xing disse: “Cartões de visita. Vou pedir para as pessoas os entregarem nos postos de correio, que os enviarão para Jiankang. Meu pai teve muitos alunos no passado, e todos eram meus veteranos. Após a grande migração para o Sul, eles se submeteram ao Grande Jin, um após o outro. Talvez possamos buscar refúgio com eles por enquanto. Pelo menos teremos um lugar para ficar na cidade.”

Xiang Shu comentou, casualmente: “Sim, eu tinha esquecido, seu pai era um grande estudioso. Ao voltar para o Sul, você naturalmente se torna um descendente de uma família de prestígio.”

Chen Xing ouviu o tom de zombaria e retrucou: “Você me bajula; comparado ao Grande Chanyu, o que isso valeria? O que mais podemos fazer? Já gastamos todo o nosso dinheiro, então vamos passar frio e fome depois de sair do navio?”

Xiang Shu disse: “Deve haver mais alguns ‘Yuwen Xins’ esperando em Jiankang.”

“Você…” Chen Xing quase esmagou o pincel.

Chen Xing, que a princípio tinha a intenção de tentar a sorte, perdeu a vontade de continuar escrevendo depois do comentário de Xiang Shu. No entanto, ele se forçou a terminar de descrever seu itinerário e selar os cartões. Com o pouco dinheiro que lhe restava, ele pagou para que alguém os levasse em terra e os entregasse no Ministério do Pessoal em Jiankang. Normalmente, se a carta fosse recebida, um funcionário do posto de correio deveria vir ao seu encontro, mas durante a viagem, ninguém apareceu. Ele pensou que era fácil para os corações das pessoas mudarem e decidiu se resignar ao destino. Pensaria em uma maneira de conseguir dinheiro depois de chegar em Jiankang.

Conforme o navio navegava para o sul, o clima foi gradualmente esquentando. Era primavera, com dias ensolarados e céus límpidos. Ao chegarem à região do Rio Yangtze, as pessoas ficavam mais preguiçosas. Chen Xing passava o dia todo dormindo na cabine, virando de um lado para o outro na cama. Às vezes, Xiang Shu jogava xadrez com o capitão no convés; outras vezes, desembarcava para comprar livros e lia durante a viagem para passar o tempo.

◈ ◈ ◈

Quase dez dias depois, o navio adentrou suavemente o Rio Yangtze e seguiu em direção a Jiankang pelo canal. Na manhã seguinte, chegaram à cidade de Jiankang antes do previsto. Chen Xing ainda dormia. Do lado de fora, os sons suaves de música flutuavam pelo ar, seguidos pelos gritos dos barqueiros.

“Chegamos, chegamos—!” gritou um dos marinheiros, voz ecoando pelo convés.

Chen Xing se virou. Não deveríamos chegar apenas à noite? Chegamos tão cedo a Jiankang?

A porta da cabine abriu-se abruptamente. Xiang Shu entrou, já com seus pertences arrumados, e fitou Chen Xing com uma expressão de impaciência. Chen Xing sentou-se na cama, com os cabelos despenteados, esfregou os olhos e então coçou a cabeça, olhando para Xiang Shu.

“Tem alguém te esperando no cais”, disse Xiang Shu.

Chen Xing se animou, correu para fora e perguntou: “Quem? Quem veio me buscar?”

O navio atracou no cais. O que os recebeu foram flores de pessegueiro e salgueiros chorões – a cidade inteira resplandecia em cores vibrantes, com milhares de telhados vermelhos reluzindo como rubis sob a luz.

Zhongshan ostentava a imponência de um dragão serpenteante, sua majestade pairando como um tigre agachado².

Uma chuva fina envolvia o Rio Huai em névoa prateada. Ao longe, os Palácios Taichu e Zhaoming emergiam como reflexos no Lago Xuanwu, ilusões etéreas que mais pareciam palácios celestiais flutuando entre as nuvens.

A capital número um do mundo: após passar por muitas provações e dificuldades, a cidade de Jiankang já abrigava milhões de pessoas. Este era o lugar onde a cultura Han mais florescia, e era também o centro da civilização da Terra Divina.

Perto de cinquenta estudiosos seguravam guarda-chuvas enfileirados. Em algum lugar no alto, um cavalheiro vestido com um manto de mangas largas caminhou em meio à canção como se estivesse cavalgando o vento.

“Ao partir, o salgueiro chorou”, alguém cantou na margem, “Ao voltar, a chuva e a neve varreram tudo—”

As têmporas daquele homem já apresentavam fios brancos como geada, embora seu rosto aparentasse cerca de quarenta anos. Vestia um traje oficial de musselina negra sobre uma veste de estudioso branca como neve, seu semblante belo e sereno como jade polido. Seu sorriso transmitia a suavidade de uma brisa primaveril. Com maneiras refinadas, trazia uma placa de jade pendurada na cintura, dentes de raposa como pingente no pescoço, calçava tamancos de madeira e segurava uma flauta de jade. O cinto esvoaçava ao vento enquanto avançava com passos firmes e elegantes.

“Um amigo veio de terras distantes”, anunciou Xie An em voz alta. “Gostaria de fazer uma refeição? Pequeno Shidi, por aqui, por favor.”

——Volume Dois · Cangqiong Yilie · Fim——

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Notas:

1 tradução em inglês aqui:

2 um provérbio para dizer que um lugar tem uma localização muito estratégica.

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Flor: Yay! Esse capítulo é um dos meus favs !!

Iuppiter dando uma mãozinha tudo!

Iniciamos o volume 3 no próximo capítulo!