Ler Registros Transitórios de Dinghai – Capítulo 41 Online

Xiao Shan imediatamente se escondeu atrás de Chen Xing. Xiang Shu olhou para ele e então perguntou: “O que você pretende fazer com esse garoto?”

Chen Xing também estava um pouco preocupado. Levá-lo conosco para procurar o paradeiro da Pérola Dinghai? Shi Hai estava atrás dele; se levassem Xiao Shan junto, temia que isso só o colocaria em perigo. Mas Lu Ying havia confiado Xiao Shan a ele — como poderia simplesmente abandoná-lo?

“O que você acha?” Chen Xing perguntou a Xiang Shu.

Xiang Shu respondeu: “Ele deve voltar para onde veio. Ele é descendente de Chanyu Huhanye¹, o lugar mais adequado para ele é ficar com sua tribo.”

Segundo Lu Ying, o clã de Huhanye havia perecido em Longcheng, mas os Xiongnus ainda estavam lá. No entanto, eles seriam capazes de cuidar bem de Xiao Shan? Chen Xing tinha suas dúvidas. Além disso, era difícil dizer se Xiao Shan estaria disposto a ficar em Longcheng.

Xiao Shan pareceu perceber que os dois estavam discutindo o que fazer com ele, e uma expressão levemente preocupada surgiu em seu rosto. Chen Xing, então, decidiu não continuar o assunto.

◈ ◈ ◈

Durante o banho, Chen Xing limpou Xiao Shan e lavou a sujeira dele. Para sua surpresa, descobriu que o garoto não era tão moreno como imaginava — na verdade, sua pele era clara e delicada, e parecia muito bem cuidado. Ele pegou roupas infantis emprestadas dos Xiongnus para vesti-lo. Embora Xiao Shan e Xiang Shu não se parecessem em nada, sua postura fazia com que parecessem um par de pai e filho.

Um grande e um pequeno, e não apenas os rostos de ambos pareciam emburrados e antissociais — também transmitiam uma aura majestosa. Bastava um olhar para saber que não eram pessoas com quem se devesse brincar.

◈ ◈ ◈

“De onde vem essa música?” Chen Xing segurou a mão de Xiao Shan enquanto eles paravam em uma das ruas de Karakorum. Ele ouviu o som de uma flauta ao longe e rapidamente se aproximou, observando o pôr do sol avermelhado no processo. Após o banho, Xiang Shu estava no topo da torre do portão da cidade². Voltado para a direção de Chi Le Chuan e com uma flauta Qiang³ nas mãos, ele franziu as sobrancelhas e fechou os olhos enquanto tocava uma antiga canção dos povos além da Grande Muralha.

Muitos dos povos Hu de Chi Le Chuan, assim como os moradores locais de Longcheng, saíram de suas casas, dirigiram-se às muralhas e se ajoelharam nas ruas.

Chen Xing subiu lentamente em direção à torre do portão da cidade. Por um momento, ficou verdadeiramente fascinado ao descobrir que Xiang Shu sabia tocar a flauta Qiang! No mundo coberto de neve, ele avistou Xiang Shu envolto em seu traje de caça Hu, suas vestes esvoaçando como os bigodes de um dragão. A flauta Qiang em suas mãos emitia um som profundo e ressonante, enquanto sob o céu sombrio o vento rugia e as nuvens se agitavam – o ar estava impregnado de uma emoção capaz de comover a alma.

O som da flauta Qiang era límpido e firme. Às vezes, parecia retratar dois exércitos travando uma batalha feroz. Noutros momentos, evocava o mar revolto com ondas furiosas derramando água por toda parte. Então, o tom se transformava, convertendo-se no canto de um bando de gansos selvagens voando para longe. Subitamente, elevava-se numa cena de dez mil cavalos galopando além da Grande Muralha, para depois gradualmente serenar, tornando-se suave como os flocos de neve que cobriam o mundo. Por fim, na melodia mais terna, transformava-se numa balada para as almas, guiando todos aqueles que sacrificaram suas vidas em Chi Le Chuan de volta ao seio da mãe terra.

“Que música é essa?” Chen Xing murmurou.

Assim que a melodia terminou, Xiang Shu abriu os olhos e lançou um olhar para Chen Xing.

“Melodia Fusheng⁴”, respondeu Xiang Shu.

Chen Xing relembrou a melodia da canção. Ela subitamente se elevou para depois se acalmar, realmente parecida com a vida instável no vasto oceano — ora flutuando, ora afundando. Ele estava prestes a perguntar quem lhe ensinou a tocar a flauta Qiang quando Xiao Shan, cheio de curiosidade, de repente esticou a mão, arrancou a flauta Qiang das mãos de Xiang Shu e saiu correndo.

“Me devolve!” Xiang Shu imediatamente o perseguiu. Xiao Shan tentou soprar a flauta enquanto fazia um som de “wuwuwu” enquanto fugia.

Chen Xing: “…”

Xiao Shan era realmente muito agitado, e Chen Xing levou dois dias inteiros para corrigir seu hábito de andar sobre as quatro patas. Xiao Shan até que conseguiu se adaptar, mas sempre que Chen Xing não estava por perto, ele ainda voltava aos velhos hábitos. Sem alternativas, Chen Xing decidiu confiscar temporariamente suas garras. Dessa forma, com as mãos mais curtas que os pés, até o próprio Xiao Shan se sentia desconfortável tentando andar como antes.

Felizmente, porém, Xiao Shan seguia fielmente as últimas instruções que Lu Ying lhe dera antes de morrer e basicamente se comportava muito bem.

“Xiang Shu, Xiang Shu”, Chen Xing começou a ensiná-lo a falar a língua han, começando pelos nomes e depois passando para céu e terra, rios e planícies⁵, sol e lua⁶ e estrelas. Xiao Shan aprendia incrivelmente rápido, mas Chen Xing não fazia ideia de qual língua Lu Ying usava para se comunicar com ele antes. O fato de Lu Ying falar a língua com perfeição já era surpreendente por si só — Chen Xing imaginava que um Grande Yao como ele estivesse mais acostumado à língua dos Xiongnus do norte.

Talvez Lu Ying tenha ensinado um pouco de han a Xiao Shan para que ele não esquecesse que tinha um pai han. Xiao Shan não apenas aprendia as palavras, mas também as juntava sozinho, formando frases soltas e confusas que só Chen Xing conseguia entender.

Passar tempo com Xiao Shan acabou se tornando tão divertido que Chen Xing quase não sentia mais vontade de procurar Xiang Shu só para ser ignorado. Afinal, só vou viver até os vinte anos… Pensando nisso, ele percebeu que constituir família e ter filhos provavelmente nunca seria uma opção para ele. Cuidar de Xiao Shan era como criar um filho — pelo menos poderia experimentar um pouco dessa alegria antes do fim.

Naquele dia, quando Xiang Shu perguntou sobre os planos para Xiao Shan, Chen Xing ficou em um dilema. Por um lado, queria manter Xiao Shan ao seu lado; por outro, sabia que não poderia cuidar dele por muito tempo – o que aconteceria com a criança depois? Entregá-lo a Xiang Shu? Pela sua aparência, Xiang Shu também era pouco confiável. O melhor seria mesmo fazer com que ele retornasse à sua tribo o quanto antes.

Apesar de já ter doze anos, Xiao Shan tinha a estatura de uma criança de oito ou nove. Por ter vivido tanto tempo com lobos, seu desenvolvimento intelectual estava muito aquém de seus pares. Vestido agora com um traje de caça no estilo Xiongnu, Chen Xing ainda o arrumou com cuidado, puxou os lados do cabelo para cima e penteou a franja da testa, arrumando-o exatamente como o penteado de Xiang Shu. Embora sua verdadeira identidade não fosse clara para o povo de Chi Le Chuan, ninguém fez perguntas, tratando-o simplesmente como um pequeno príncipe dos Tieles.

Chen Xing queria vestir Xiao Shan com trajes han, mas não conseguiu encontrar nenhum em lugar algum. Xiao Shan ainda era muito jovem, com traços faciais bem marcantes: contorno do rosto definido, nariz alto e olhos âmbar brilhantes. Entre suas sobrancelhas e olhos, havia um traço de arrogância que revelava sua linhagem meio Xiongnu.

◈ ◈ ◈

“Você é descendente de Wang Zhaojun”, disse Chen Xing. “Sua ancestral era uma beleza famosa. Você deveria ter pelo menos um pouco de consciência disso e parar de se esfregar nas paredes como um cachorro.”

Xiao Shan: “???”

Chen Xing e Xiao Shan estavam sentados perto da muralha da cidade, aquecendo-se ao redor do fogo. Quando Xiao Shan sentiu coceira nas costas, começou a esfregar-se contra a parede de tijolos. Chen Xing lhe entregou um coçador de costas para que ele mesmo pudesse coçar, e Xiao Shan divertiu-se sozinho com o objeto.

Desde que começou a acompanhar Chen Xing, Xiao Shan parecia viver feliz. Na maior parte do tempo, transbordava de curiosidade, movendo-se por toda parte e observando tudo com olhos atentos.

Porém, na calada da noite, quando ocasionalmente pensava em Lu Ying, Xiao Shan se sentia um pouco deprimido. Chen Xing então acariciava seu braço para confortá-lo — Todos precisam passar por isso um dia; as coisas vão melhorar aos poucos.

Chen Xing deu a Xiao Shan o âmbar com as cinzas da Fênix, como uma lembrança de Lu Ying. Xiao Shan passou a usá-lo pendurado no pescoço e escondido sob suas roupas.

“Como você consegue ficar tão sujo todo dia?” Chen Xing realmente não entendia como Xiao Shan acabava imundo mesmo seguindo-o o tempo todo. Uma roupa nova não durava nem meio dia antes de ficar coberta de poeira. Desde criança, Chen Xing estava acostumado a ficar sentado estudando em casa com postura correta, e quando saía, era acompanhado por Yuwen Xin. Nunca teve essa liberdade selvagem de Xiao Shan – que ao ver uma árvore, queria subir nela; ao avistar gado ou ovelhas, corria para tocá-los.

Xiao Shan: “Como?”

Xiao Shan apenas repetia as palavras sem pensar, mas aquela resposta soou como uma provocação. Chen Xing olhava para ele e, quanto mais observava, mais afeição sentia. Se tivesse um irmãozinho assim em casa, com certeza iria mimá-lo — a ponto de quase querer amarrá-lo com uma corda para não deixá-lo sair por aí.

“Cuide bem do seu âmbar”, Chen Xing acrescentou. “Se tudo correr bem, quando a magia renascer no mundo, talvez possamos trazer Lu Ying de volta.”

Xiao Shan geralmente entendeu o que ele quis dizer e assentiu com a cabeça. 

Chen Xing também não sabia como a Fênix reviveria dos mortos. De acordo com registros antigos, o poder liberado durante o Nirvana da Fênix⁷ poderia remodelar o corpo, mas era limitado apenas ao corpo físico. Lu Ying estava morto; se ele já pertencia ao céu e havia entrado no ciclo de reencarnação, Chen Xing não sabia se isso ainda seria útil ou não.

Xiao Shan terminou de coçar as costas quando, de repente, suas orelhas se moveram e ele se virou para olhar para fora da cidade.

“Está vindo”, disse Xiao Shan. “Está vindo!”

Chen Xing, que estava aquecendo as mãos diante do braseiro, ao ouvir as palavras de Xiao Shan, levantou a cabeça e se pôs de pé nervosamente, olhando para fora da cidade.

Empunhando o coçador de costas como se fosse uma arma, Xiao Shan posicionou-se diante de Chen Xing com uma postura que pretendia transmitir a força de deter dez mil homens. Chen Xing observou atentamente por longo tempo, mas até onde sua vista alcançava, não havia absolutamente nada no horizonte.

“Está vindo, está vindo!” Xiao Shan empurrou Chen Xing, insistindo para que ele fosse para um lugar seguro. Enquanto isso, levantou as abas de seu manto e as prendeu no cinto, preparando-se para sair da cidade e lutar, dizendo: “Chen Xing, vá! Chen Xing, vá!!”

Foi então que Chen Xing viu: no extremo da planície, uma linha negra surgiu no horizonte, como uma maré sombria. Milhares de cadáveres vivos, montados em cavalos, avançavam lentamente em sua direção.

Os batedores também viram, e o som da trombeta imediatamente ressoou por toda Longcheng.

Chegaram mais rápido do que o esperado. Mas, nos curtos dois dias desde sua chegada a Longcheng, Xiang Shu já havia organizado toda a defesa da cidade. Nas circunstâncias atuais, desde que não caísse uma tempestade de neve, as sólidas muralhas de Karakorum deveriam aguentar o ataque dos cadáveres vivos por dois ou três dias sem problemas.

Xiao Shan, impetuoso, quis pular direto da torre da cidade para a batalha, mas foi rapidamente agarrado por Chen Xing.

“Agora não!” Chen Xing advertiu, segurando firmemente Xiao Shan. “Espere o Xiang Shu chegar!”

Repetidas vezes, Chen Xing ativou a Lâmpada do Coração. Do lado de fora, Xiang Shu já liderava a cavalaria Tiele para uma posição elevada. Montado em seu cavalo, subiu até a torre do portão da cidade e observou atentamente o horizonte.

Chen Xing disse: “Precisamos capturar o comandante-chefe com vida desta vez. Quero pegar Sima Yue e interrogá-lo para esclarecer tudo.”

Ao fazer esse pedido, Chen Xing olhou para Xiang Shu. Depois de tantas batalhas, Xiang Shu havia deixado uma impressão quase invencível em seu coração, e ele sabia que Xiang Shu conseguiria. Se o general de armadura negra, Sima Yue pudesse ser trazido de volta, isso certamente seria útil para encontrar o esconderijo de Shi Hai e Chiyou.

“Defenda a cidade primeiro”, disse Xiang Shu. “Evite ir para a batalha fora das muralhas da cidade. Eu darei um jeito. Fique de olho em Xiao Shan e evite que ele cause problemas.”

Dentro do exército de cadáveres vivos, a primeira onda era de infantaria, seguida pela cavalaria. O nevoeiro espesso de neve que avançava obscurecia seu campo de visão, tornando impossível identificar claramente o comandante inimigo — era evidente que o líder adversário não tinha intenção alguma de se expor.

“De onde vieram todos esses cadáveres?” Chen Xing murmurou.

“Em um raio de mil li”, respondeu o chefe Tiele, “eles devem ter remexido cada local de sepultamento.”

Entre os povos Hu, ainda persistia o antigo costume do enterro celestial⁸ — apenas aqueles que cometiam graves erros, prisioneiros de guerra e escravos eram privados desse direito. Durante décadas, as montanhas ao redor ficaram repletas de covas improvisadas, a maioria marcada apenas por pilhas de pedras. O inimigo, inesperadamente, utilizou materiais locais e encontrou e despertou tantos cadáveres vivos.

“Garras! Garras!” Xiao Shan subia repetidamente em Chen Xing, tentando recuperar suas armas confiscadas.

“Agora não!” Chen Xing disse. “Quando formos para a batalha, iremos juntos.”

Xiao Shan finalmente desistiu e ficou ao lado de Xiang Shu e Chen Xing no alto da muralha, observando a batalha. As muralhas estavam repletas de arqueiros – todos os Hu além da Grande Muralha eram atiradores de elite natos. Flechas incendiárias eram preparadas uma após outra, enquanto os chefes das tribos, liderando seus guerreiros, formavam uma linha de defesa impenetrável no alto das muralhas.

Nos últimos dias, Xiang Shu se encontrou com os chefes das tribos, contando-lhes a história por trás da revolta dos demônios da seca. Agora que sabiam a origem dos monstros e o que realmente eram, os Hu já não sentiam medo. Pelo contrário, lutavam com mais determinação e tomavam precauções redobradas.

No momento, a expressão de todos era séria, e havia um silêncio estranho dentro e fora da cidade. Apenas o farfalhar dos cadáveres vivos movendo-se pela neve podia ser ouvido. A névoa de neve cobria tudo, e assim que os cadáveres se aproximaram do perímetro, Xiang Shu gritou: “Atirem!”

Num instante, flechas flamejantes riscaram o céu e atingiram a neve fora da cidade!

Chen Xing observava a cena: o inimigo não conseguia se aproximar das muralhas da cidade de forma alguma. Não importava o quanto os cadáveres vivos se esforçassem, seus movimentos ainda eram lentos, e a maioria deles era apenas corpos em decomposição desenterrados. O frio intenso fazia com que sua carne, sangue e membros ficassem unidos. Assim que o gelo derretesse, a ligação falharia, e eles se espalhariam pelo chão, deixando de ser um problema.

No entanto, Chen Xing continuava a sentir um perigo à espreita dentro do nevoeiro de neve.

Como esperado, dois sons “dong” e “dong” ecoaram na névoa. Embora fracos, foram claramente ouvidos por todos.

“É um artefato mágico!” Chen Xing reagiu imediatamente, gritando: “Preparem-se!”

Xiang Shu: “…”

Parecia que alguém estava agitando um chocalho-tambor bem ao lado de seus ouvidos. De repente, cerca de dez monstros enormes irromperam da névoa! Eram criaturas imensas, cobertas de pelos podres, que passaram correndo direto pelo grupo de cadáveres vivos e se lançaram em direção à muralha externa de Longcheng!

Os arqueiros hu gritaram em voz alta, mas Chen Xing não entendeu o que disseram. Ele também nunca tinha visto aqueles monstros antes.

“O que é isso?” Chen Xing berrou.

Xiao Shan também gritou algo, e Xiang Shu imediatamente respondeu: “Elefantes!”

Chen Xing só tinha lido sobre elefantes em livros — nunca imaginou que encontrariam carcaças de elefantes nessa região gélida do norte. Os animais estavam completamente cobertos de gelo e neve; parecia que, após milhares de anos mortos, seus órgãos internos e membros haviam congelado, transformando-se em aríetes naturais. Quando o primeiro elefante colidiu com a muralha, a terra tremeu, e tijolos voaram para todos os lados.

Xiang Shu recuou um passo, firmou-se e, em seguida, agarrou Chen Xing, saltando para trás do alto da muralha! Os arqueiros caíram no chão em sequência, e o braseiro tombou para dentro. Os elefantes rapidamente esmagaram as barreiras anticavalaria, arrombando as paredes externas de madeira antes de colidir com as muralhas de Karakorum.

O caos tomou conta da torre da cidade. Logo, os elefantes recuaram um após o outro, mas não demonstravam nenhum medo das flechas. Ao som do chocalho-tambor, começaram a se organizar para uma segunda investida.

“Não vamos conseguir detê-los!” O chefe Tiele desceu correndo da torre da muralha, gritando: “Se continuarem batendo, as muralhas vão desmoronar! Grande Chanyu!”

Xiang Shu gritou: “Chamem quatrocentos homens, sigam-me para fora da cidade! Chen Xing!”

Os elefantes precisavam ser contidos — se aqueles monstros de milhares de jin continuassem a investida, em menos de uma hora derrubariam as muralhas e arrasariam Karakorum por completo!

“Eu preciso recuperar aquele artefato!” Chen Xing gritou.

“Não! É perigoso demais!” Xiang Shu respondeu, “Preparem redes armadilhas e estrepes!”

“É inútil!” Chen Xing gritou. “Esses elefantes já estão mortos! Eles não sentem dor! Shi Mokun! Cuide do Xiao Shan!”

◈ ◈ ◈

Quando os portões da cidade se abriram, Xiang Shu partiu de Karakorum à frente da cavalaria dos Tiele e dos Xiongnu. Sob o céu sombrio, os cavaleiros lançaram suas redes de armadilha uma após a outra. Assim que um elefante pisava em uma delas, uma equipe de cinco homens rapidamente a fechava, fazendo com que o elefante apodrecido tropeçasse e caísse na neve, fazendo o chão tremer com o impacto.

Chen Xing avançou com seu cavalo direto para o campo de batalha, a Lâmpada do Coração brilhando em sua mão. Xiang Shu o perseguiu, gritando: “Espere por mim!”

Chen Xing virou a cabeça. Ao ouvir aqueles sons “dong, dong”, ele logo deduziu por que o inimigo agia sem medo: tudo se devia aquele antigo artefato mágico, confeccionado com a pele de uma besta imortal chamada Zheng⁹. Diz a lenda que ele era capaz de suprimir as almas dos mortos, fazendo-as recuar de terror com seu rugido.

Deve ser semelhante ao Espelho Yin Yang, pensou. O inimigo deve ter usado ressentimento para ativar este artefato e distorcer sua função original! O artefato originalmente utilizava qi espiritual para exorcizar espíritos malignos, mas após ser refinado pelo ódio, transformou-se numa arma demoníaca capaz de controlar cadáveres vivos! Precisamos recuperá-lo o mais rápido possível! Enquanto tivermos este artefato mágico, o avanço do outro lado será facilmente resolvido.

◈ ◈ ◈

“Hora de lutar”, disse Che Luofeng lentamente.

Um homem alto e Che Luofeng estavam parados calmamente na retaguarda, cada um montado em um cavalo-cadáver. Atrás deles estava Sima Yue em armadura negra.

Sima Yue empunhava um estranho cajado de chifre de cervo, que emanava um ressentimento negro como o azeviche.

“Zhou Zhen?” Che Luofeng virou a cabeça para olhar o homem ao seu lado. Ele já estava morto há anos, mas seu rosto permanecia preservado, como se tivesse acabado de ser enterrado. Três penas adornavam sua têmpora, e na cabeça ele usava a coroa do Grande Chanyu que pertencia a Xiang Shu. Seu traje era um longo manto de pele de lobo, com uma manopla na mão esquerda e, na direita, um pequeno chocalho-tambor — era Zhou Zhen, o maior guerreiro dos Rouran.

Zhou Zhen disse, com indiferença: “Eu cuido de Shulü Kong.”

“Deixe o han para mim”, disse Che Luofeng.

Zhou Zhen assentiu, olhou para Che Luofeng e disse casualmente: “Enquanto os mantivermos longe o suficiente, a Lâmpada do Coração não funcionará.”

Che Luofeng observou seu próprio povo — 60 mil Rourans que haviam se tornado membros do exército de cadáveres vivos, rostos rígidos, estavam montados em seus cavalos e aguardando suas ordens.

“Eu…” Che Luofeng hesitou, sem saber se o que estava fazendo era certo ou errado.

Zhou Zhen respondeu com frieza: “Não se preocupe. O Nosso Senhor ordenou que Shulü Kong não seja morto — ele ainda é muito útil para nós.”

Che Luofeng inspirou profundamente. Junto às muralhas distantes, os elefantes gigantes já tombavam um após o outro. Zhou Zhen agitou novamente seu chocalho-tambor, ecoando três sons “dong — dong — dong”. Como resposta, os Rouran empunharam suas armas em perfeita sincronia, lançando o segundo ataque à cidade!

Num instante, os corpos dos elefantes e cadáveres do primeiro cerco, amontoados sob as muralhas, transformaram-se na melhor escada de assalto. A cavalaria Rouran avançou pela planície e investiu diretamente contra as muralhas de Karakorum!

Xiang Shu olhou para trás de repente. Uma onda de tropas inimigas avançou em sua direção. Chen Xing gritou: “Xiang Shu!”

Xiang Shu incitou seu cavalo a perseguir Chen Xing, mas os dois foram instantaneamente separados pela força do exército que o atacava. Chen Xing tinha a Lâmpada do Coração brilhando em suas mãos, e a cavalaria atacante se dispersava e o evitava, Xiang Shu, no entanto, estava desprotegido. Ele não teve escolha a não ser empunhar sua espada larga e correr para se juntar a ele.

Por onde o exército marchava, sempre havia um rastro de neve atrás deles, a ponto de ser difícil reconhecer aliados e inimigos. Com a Lâmpada do Coração brilhando em suas mãos, Chen Xing galopava enquanto procurava por Xiang Shu, mas então, em meio à névoa de neve, uma figura surgiu——

Che Luofeng!

Chen Xing imediatamente ficou furioso e incitou seu cavalo para a névoa de neve.

Che Luofeng exibiu um sorriso estranho; seu corpo inteiro havia sido corrompido pelo sangue do Deus Demônio, e ele tinha a cor cinza-cinza de um cadáver.

“Cachorrinho Han”, Che Luofeng sorriu, “você finalmente apareceu.”

Chen Xing segurava um arco na mão e disse em voz baixa: “Che Luofeng! Por que você fez isso? Xiang Shu nunca te tratou mal! Você ainda não consegue deixar de lado seu ódio contra os Akeles, mesmo agora?”

Che Luofeng deu uma risada sinistra. Ele inclinou a cabeça para o lado e olhou para Chen Xing cuidadosamente antes de responder: “No início, eu até poderia ter superado… porque meu bom irmão Zhou Zhen havia voltado à vida. O problema foi aquela Consorte intrometida — se ela quisesse procurar o filho mais velho dela, tudo bem, mas foi justo encontrar Zhou Zhen escondido na minha tenda…”

“Zhou Zhen?” Chen Xing franziu a testa.

“Lembra do nosso acordo?” Che Luofeng também pegou seu arco longo e perguntou: “Você atira uma flecha em mim, eu atiro uma em você… Vamos brincar?”

Chen Xing: “…”

“Onde está Zhou Zhen?” Chen Xing perguntou em voz baixa. “Qual é sua relação com Shi Hai?”

“Shi Hai?” Che Luofeng pensou por um momento, sem entender. Em vez disso, respondeu: “Venha. Se conseguir chegar a três zhang de mim, responderei sua pergunta.”

Então, virou o cavalo e galopou para dentro da nevasca.

Chen Xing gritou com raiva: “Não me subestime!”

Chen Xing imediatamente apertou as pernas contra a barriga do cavalo e partiu em perseguição.

◈ ◈ ◈

A cavalaria ao redor de Xiang Shu desapareceu repentinamente. Em meio à névoa de neve, os sons “dong-dong” ecoaram novamente, e uma figura surgiu diante dele.

“Zhou Zhen?!” Xiang Shu mal podia acreditar no que via. Vestido com um manto de pele de lobo, Zhou Zhen avançava com passos calmos, seu coração exposto revelando uma cicatriz do tamanho de uma tigela.

“Shulü Kong”, disse Zhou Zhen, “há quanto tempo não nos vemos. O exorcista não está ao seu lado e agora você não tem o poder da Lâmpada do Coração. Venha comigo, Meu Senhor está esperando por você.”

Xiang Shu segurou sua espada larga enquanto olhava diretamente para Zhou Zhen à distância.

“Você também ressuscitou?” Xiang Shu perguntou. “Já que você está morto, por que não descansa em paz?”

Zhou Zhen sorriu, um sorriso em um rosto de cadáver vivo, com uma aparência incrivelmente estranha.

“Digamos que eu nunca realmente morri”, respondeu Zhōu Zhēn. “Originalmente, Shi Hai-daren¹⁰ pretendia conceder ao ex-Grande Chanyu Shulü Wen a vida eterna, mas você mesmo arruinou isso, Shulü Kong.”

“Cale a boca!” Xiang Shu explodiu de raiva. “São vocês! Vocês que nem mesmo permitem que os mortos descansem em paz!”

Zhou Zhen levantou a mão lentamente, o chocalho-tambor girando entre seus dedos. A cavalaria Rouran emergiu da neve e da névoa novamente, cercando Xiang Shu. Xiang Shu zombou: “O ‘Maior Guerreiro’ dos Rourans, seu título ‘Maior’ só tinha valor entre seu povo Rouran. Você realmente acha que o Grande Chanyu temeria você, só porque o exorcista não está aqui?”

Zhou Zhen disse com voz grave: “O Grande Chanyu tem artes marciais incomparáveis, é natural que não tema. Só gostaria de saber quais são suas chances de sucesso contra os guerreiros da minha tribo, que não temem a morte, não sentem dor e lutam até o último suspiro?”

◈ ◈ ◈

Enquanto isso, Chen Xing perseguia Che Luofeng, que parecia estar deliberadamente provocando-o, arrastando-o em círculos dentro da névoa de neve. Chen Xing tentou várias vezes puxar seu arco e atirar, mas não conseguia mirar no veloz Che Luofeng.

“Idiota!” Che Luofeng gargalhou.

Ao chegar diante de um bosque, Chen Xing decidiu arriscar — se é assim, é hora de contar com Iuppiter! Imediatamente, sem nem olhar para Che Luofeng, puxou o arco com força, fechou os olhos e colocou uma flecha —

Foi nesse momento que Che Luofeng chocou seu cavalo contra Chen Xing, e, no instante em que os dois animais colidiram, Chen Xing foi arremessado para longe. Seus dedos, que seguravam a corda, soltaram-se, e a flecha foi disparada para o céu.

Chen Xing caiu com força no chão, agarrando seu arco, levantou-se em pânico.

À sua frente, Che Luofeng esticou o arco, mirando diretamente na cabeça de Chen Xing, e disse com um sorriso: “Chega de brincadeira. Agora é a minha vez.”

Chen Xing pensou: O que fazer? Ao mesmo tempo, olhou para o céu, na esperança de que uma rajada de vento surgisse do nada, desviasse a flecha e a fizesse atravessar a cabeça de Che Luofeng.

Mas não aconteceu nada. A flecha já havia desaparecido, levada para sabe-se lá onde.

◈ ◈ ◈

No meio da densa névoa de neve, Xiang Shu apertou com força sua espada pesada, encarando Zhou Zhen. Este, segurando o chocalho-tambor, sorriu — bastaria um simples giro de seu pulso, e os mil cavaleiros Rouran ao redor se lançariam contra Xiang Shu, esmagando-o e derrubando-o do cavalo!

Exatamente nesse momento, aquela flecha que havia sido desviada de sua trajetória veio voando do céu em direção a Zhou Zhen e, com um ‘pá’, o atingiu no pulso. O chocalho-tambor soou um ‘dong’ ao voar de sua mão e girou no ar.

Zhou Zhen, que foi pego de surpresa, apenas sentiu que sua mão estava subitamente vazia, e imediatamente virou a cabeça.

Zhou Zhen: “???”

Xiang Shu imediatamente brandiu sua espada pesada com um rugido de fúria, avançando para arrebatar o artefato. Por trás de Zhou Zhen, uma figura surgiu de repente. Voando no ar, esticou a mão e agarrou o chocalho-tambor. Quando Zhou Zhen estava prestes a estender a mão, ele foi atingido impiedosamente com um coçador de costas, fraturando seu dedo.

Xiao Shan apareceu subitamente da névoa de neve. Xiang Shu estava prestes a avançar, mas foi rapidamente cercado pela cavalaria Rouran, então ele apenas rugiu: “Xiao Shan! Pegue o artefato mágico e vá!”

Xiao Shan olhou para o chocalho-tambor em sua mão. Zhou Zhen virou-se imediatamente para agarrá-lo, mas Xiao Shan já havia fugido. A cavalaria Rouran cercou Xiang Shu freneticamente, porém ele não queria continuar lutando. Sua espada varreu vários homens à sua frente, e ele se virou para procurar Chen Xing.

◈ ◈ ◈

Chen Xing esperou por um longo tempo, mas a flecha não retornou. Sentado no chão, ele recuou lentamente. A flecha de Che Luofeng errou o alvo por um triz.

“Ei?! Olha quem chegou!” Chen Xing, perspicaz, apontou para trás de Che Luofeng.

Che Luofeng quase caiu no truque de Chen Xing. Subconscientemente, quando estava prestes a virar a cabeça, ele zombou: “Você realmente acha que eu sou tão…”

Foi nesse exato momento que um cadáver vivo irrompeu da floresta atrás dele e, com um rugido, jogou-se contra Che Luofeng e se agarrou a ele.

“Youduo!” Chen Xing gritou imediatamente.

Aquele cadáver vivo era de fato Youduo; ele mordeu Che Luofeng no ombro imediatamente. Che Luofeng gritou e lutou com todas as suas forças, jogando Youduo na neve.

Chen Xing gritou: “Eu te avisei! Foi você que não quis olhar!” Ele se levantou apressadamente e fugiu, deixando os dois homens brigando na neve. Deu alguns passos, olhou em volta e então berrou: “Xiang Shu! onde você está, Xiang Shu?!”

Xiang Shu não respondeu, mas Xiao Shan irrompeu do campo de batalha nevado. Segurava o chocalho-tambor na mão esquerda e um coçador de costas na direita, gritando para Chen Xing: “Garras! Garras!”

Ótimo! Conseguimos! Isso é excelente! Chen Xing não teve tempo de perguntar a Xiao Shan quando ele tinha saído correndo, nem por que o artefato mágico estava em suas mãos. Ele gritou: “Rápido, me dá! Me dá!”

Xiao Shan insistiu: “Garras!”

“As Garras estão em casa!” Chen Xing apontou na direção da cidade e explicou: “Eu não trouxe elas, vamos pegar depois quando voltarmos!”

Xiao Shan: “…”

Percebendo que Xiao Shan havia entendido, Chen Xing gritou desesperado: “Me dá o artefato mágico primeiro!”

Xiao Shan arremessou o coçador de costas.

Chen Xing imediatamente disse: “Não! Me dê, ‘dong dong dong’!”

Che Luofeng finalmente conseguiu se libertar do abraço de Youduo. Desembainhando sua espada, partiu em direção a Chen Xing. Xiao Shan, sem alternativa, arremessou o chocalho-tambor para Chen Xing enquanto avançava para deter Che Luofeng com as próprias mãos, protegendo Chen Xing.

Assim que o chocalho-tambor chegou às mãos de Chen Xing, ele pôde sentir que o artefato mágico realmente havia sido refinado com ressentimento. Sem perder tempo, respirou fundo, concentrou-se e começou a agitá-lo.

Com um sonoro ‘dong’, uma pequena transformação começou a ocorrer dentro da névoa de neve.

O ressentimento se propagou pelo cabo de madeira do chocalho-tambor, subindo pelo braço de Chen Xing. Subitamente, uma densa onda de ressentimento surgiu de todas as direções. Chen Xing protegeu o meridiano do seu coração usando a Lâmpada do Coração. De pé na neve, ele começou a ativar o antigo artefato mágico, girando-o repetidamente. E então, com Chen Xing no centro, o ressentimento se espalhou como ondulações, um círculo após o outro, cobrindo todo o campo de batalha.

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Notas:

1 呼韩邪单于 (Hū hán xié chán yú), O nome de nascimento era Jihoushan, um Chanyu do Império Xiongnu, filho de Xulüquanqu Chanyu e marido de uma das Quatro Beldades, Wang Zhaojun.

2 Esta não é a torre comum, mas sim a que costumamos ver nos antigos dramas de TV, como a torre no topo das muralhas da cidade. Geralmente é grande o suficiente para acomodar centenas de soldados ou cavalos.

3 Um instrumento tradicional dos Qiang, um povo nômade.

4 Fusheng = 浮生 é um termo do Taoísmo que se traduz literalmente como “vida passageira/flutuante/superficial/transitória”. Um dos livros mais importantes que abordam esse assunto foi escrito por Zhuang Zi. Basicamente, significa que: “A vida humana começa vazia e ociosa e, portanto, é transitória e temporária”. Esta é uma das passagens escritas em seu livro: Diz-se que a paz, a solidão, o vazio e o wu wei são os fundamentos do céu e da terra e a supremacia da virtude, sobre os quais os homens santos repousam suas mentes. Diz-se que os homens santos […] Eles não sonham enquanto dormem; eles não se preocupam enquanto acordam. Na vida, eles estão flutuando; na morte, eles estão descansando.

5 到天地河川 (Dào tiāndì héchuān), Céu e terra, rio e planícies: significa basicamente ‘o mundo e sua paisagem’

6 日月(Rì yuè), sol e lua: isso pode significar literalmente, ou também pode ser entendido como “a estação” ou “dias e meses”.

7 凤凰涅槃之(Fènghuáng nièpán), um termo que se refere ao renascimento da Fênix das cinzas.

8 Um enterro celeste é uma prática funerária na qual um cadáver humano é colocado no topo de uma montanha para se decompor, exposto aos elementos, ou para ser comido por animais necrófagos, especialmente aves necrófagas. A função do enterro celeste é simplesmente dispor os restos mortais da forma mais generosa possível. É considerado um ato de generosidade por parte do falecido, visto que o falecido e seus parentes sobreviventes estão fornecendo alimento para sustentar os seres vivos.

9 狰 (Zheng), Um animal mítico da mitologia chinesa, mencionado pela primeira vez no Clássico Montanhas e Mares. Assemelha-se a um leopardo, com cinco caudas, um chifre na cabeça e pelos vermelhos ou listrados. Seu rugido é como o som de uma pedra caindo.

10 Daren = equivalente a -sama em japonês. Também pode ser traduzido como “Senhor”, mas como já usamos “Senhor” para 吾主, precisamos diferenciá-los por alguns motivos. A menos que… vocês prefiram que traduzamos como “Monsenhor”, o que nos dá muita vontade de fazer, porque imaginem: “Tudo isso é ordem do MONSENHOR SHI HAI”. Parece incrível, kkkk.

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Flor: Iuppiter jamais falha!

Alguém acaba com o Che Luofeng!