Ler Registros Transitórios de Dinghai – Capítulo 35 Online

O Rei Akele ajudou Chen Xing a se instalar na casa de pedra primeiro, alimentou seu cavalo e, em um piscar de olhos, saiu novamente.

Chen Xing já estava acostumado a se comunicar com ele por gestos, já que não conseguiam se entender, então nem perguntou o que ele foi fazer. Apenas disse: “Vou dar uma volta pela cidade.”

Ele sempre gostou de passear por aí sempre que visitava um lugar novo. Agora, com o Ano-Novo se aproximando, só lhe restavam três anos de vida — então, o que mais ele poderia fazer? Tudo o que lhe cabia agora era explorar e ampliar seus horizontes com novas experiências. O Rei Akele o ajudou a colocar um colar de dentes de lobo adornado com pedras coloridas; ele fez isso principalmente para diferenciar a identidade de Chen Xing das demais pessoas, evitando que ele fosse sequestrado pelos Xiongnu.

Quatrocentos anos — já se passaram quatrocentos anos inteiros. Os vestígios da guerra deixados durante a dinastia Han haviam sido suavemente apagados pelo tempo; o único monumento que restava era a antiga corte imperial dos Xiongnus, erguida no centro da cidade com pedras negras. Xiongnus, Rouran e até mesmo os Tiele já haviam ocupado este lugar. Chen Xing caminhou em direção ao palácio de pedra, sentindo como se ainda pudesse vislumbrar o esplendor que um dia ele teve.

Um grupo de Xiongnus se aquecia ao redor de uma fogueira no pátio imperial. Quando viram que um han havia chegado, observaram-no com curiosidade por um tempo, até que alguém o convidou para beber. Chen Xing cumprimentou-os de maneira simples, depois voltou para pegar alguns mantimentos e compartilhou com eles.

“Que lugar é este?” Chen Xing deu uma volta e, de repente, avistou uma torre quadrada no fundo do jardim do palácio imperial.

Os Xiongnus não entenderam suas palavras, e a comunicação entre ambos limitou-se a gestos. Chen Xing parou em frente à torre, observando os padrões entrelaçados nos tijolos de pedra do chão…

Aquilo era uma matriz! Era uma Parede de Defesa!

Chen Xing rapidamente se aproximou. Jamais imaginou que, em um lugar tão remoto — a dezenas de milhares de li das Planícies Centrais — encontraria ruínas deixadas por exorcistas antes que o Silêncio Caísse Sobre Toda a Magia!

Para que servia esta Parede de Defesa?

Diferente do mundo dentro do espelho, esta era a primeira vez que ele via uma formação mágica assim no mundo real.

Diante da torre quadrada, havia um portão de pedra que pesava facilmente 10 mil jin. Chen Xing tentou empurrá-lo várias vezes, mas a pesada estrutura não se moveu nem um centímetro. Além disso, toda a torre no centro da matriz estava completamente selada — nem mesmo havia uma janela.

Deve haver um artefato mágico lá dentro, pensou Chen Xing. Melhor deixar pra lá, não devo mexer nisso.

Havia uma pequena fechadura espiritual pintada de dourado na porta de pedra, e Chen Xing reconheceu que aquilo devia ser o mecanismo para abrir a porta. Quem projetou esta torre foi bastante engenhoso: antes que o Silêncio Caísse Sobre Toda a Magia, um exorcistas poderoso só precisava canalizar o Qi espiritual do céu e da terra e injetá-lo no portão através da fechadura espiritual para que ela se abrisse.

Assim que o Qi espiritual do céu e da terra fosse restaurado, ele poderia voltar para dar uma olhada. Chen Xing estava confiante de que conseguiria abrir essa fechadura.

◈ ◈ ◈

O Rei Akele retornou carregando um cervo abatido sobre os ombros. Alguns Xiongnus que estavam se aquecendo ao redor da fogueira no pátio imperial ajudaram-no a assar a carne. Era evidente que o Rei Akele já estava envelhecendo – agora ficava sem fôlego facilmente. Depois de perseguir o cervo por tanto tempo, estava completamente exausto e precisou sentar-se diante da fogueira para recuperar o fôlego. Foi então que percebeu o olhar preocupado de Chen Xing e sorriu para ele.

Chen Xing não pôde evitar um pensamento: Se meu pai ainda estivesse vivo, provavelmente seria assim também.

Antigamente, em Jinyang, seu pai só teve um filho aos quarenta anos e, por isso, mimava muito Chen Xing. No entanto, ele não o estragou a ponto de transformá-lo num “travesseiro bordado”. Pelo contrário, sempre o alertava: “O mundo está em caos e ainda não se acalmou. Os caminhos da vida são árduos — as dinastias ascendem e caem, as guerras devastadoras se prolongam por anos, Hu e Han se matam mutuamente, mas são sempre os povos comuns que sofrem. Enquanto um homem vive, deve ter um espírito indomável e focar-se apenas em quatro coisas: cultivar seu caráter, governar sua casa, ordenar o país e pacificar o reino. Acima de tudo, nunca se deve afundar no lamaçal do ódio nem provocar conflitos entre Hu e Han por rancores pessoais.”

“Além disso, é preciso viver com integridade e dignidade, para um dia trazer glória ao nome da família Chen.”

Foi assim que Chen Xing desenvolveu um excelente temperamento após estudar os livros dos sábios. A menos que fosse absolutamente necessário, ele fazia o possível para não entrar em conflito com os outros. Teoricamente, deveria primeiro cultivar a si mesmo antes de formar uma família, e só então governar o estado e pacificar o mundo. Mas quando o peso de “pacificar o mundo” recaiu sobre seus ombros, Chen Xing quase não hesitou, aceitou a responsabilidade como algo natural.

O Rei Akele recuperou o fôlego aos poucos, finalmente parecendo melhor.

“Você já está velho, não precisa se esforçar tanto assim”, disse Chen Xing. “Podemos muito bem nos virar com os mantimentos que temos.”

O Rei Akele não conseguiu entendê-lo, mas mesmo assim sorriu, sinalizando para Chen Xing que estava bem. Chen Xing sentiu o coração apertar. Desdobrou o mapa para calcular quanto tempo ainda precisariam.

“Youduo, meu filho”, disse de repente o Rei Akele em um han hesitante, “eu quero ir, proteger você. Você fique bem.”

Chen Xing: “…”

O Rei Akele continuou: “Eu… não posso apenas ignorar. Obrigado, obrigado.”

Chen Xing sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Aquelas poucas frases em han certamente haviam sido aprendidas com a Consorte.

“Obrigado, Chen Xing.” O Rei Akele pegou a perna de cervo assada e compartilhou um pouco com Chen Xing.

Chen Xing assentiu e sorriu com relutância.

Naquela noite, os uivos dos lobos ecoavam sem cessar além das muralhas de Longcheng, deixando Chen Xing preocupado. Ele temia encontrar uma alcateia de lobos selvagens no dia seguinte quando retomassem a viagem. Na verdade, ao longo do caminho, já haviam se deparado diversas vezes com lobos solitários, que frequentemente os seguiam à distância. Felizmente, o Rei Akele era um exímio arqueiro, sempre conseguindo afastar as ameaças antes que os cavalos se assustassem.

Mas, pelos uivos, era possível sentir que estavam cercados por lobos por todos os lados. Era inverno no décimo segundo mês lunar; era difícil encontrar comida nas planícies nevadas, então os lobos formavam alcateias para disputar comida com o povo Hu na cidade.

◈ ◈ ◈

Na manhã seguinte, os lobos já haviam parado de uivar. O Rei Akele não disse nada e seguiu viagem, mas permaneceu em alerta máximo durante o caminho. Após deixarem Longcheng, adentraram na região do grande Lago Barkol. Cruzaram a superfície congelada do lago e continuaram rumo ao norte, agora as árvores eram cada vez mais numerosas. Em certos trechos, montanhas e campos apareciam totalmente cobertos de geada. Os dois avançavam pela floresta em ziguezague. Passaram a noite em uma caverna e, pouco a pouco, aproximavam-se do fim de sua jornada de oitocentos li.

E Carosha, o lugar que só existia nas lendas, ainda não podia ser avistado. Uma névoa espessa preenchia sua visão. O Rei Akele já havia levado Chen Xing a um local praticamente sem sinais de habitação humana. Além de neve, havia apenas mais neve. Ali, existiam apenas três curtos meses de primavera e verão a cada ano, e os dois frequentemente passavam dias inteiros sem trocar uma única palavra.

Até que, numa noite, acamparam sob uma árvore. A neve havia parado, e o mundo estava incomparavelmente tranquilo. A Via Láctea cintilava no céu noturno. Chen Xing estudou o mapa atentamente, convencido de que não poderiam ter seguido o caminho errado. Eles sempre haviam avançado em direção à Estrela Polar.

O Rei Akele, com sua barba grisalha agora mais longa e cuidadosamente amarrada, mantinha seus olhos azuis profundos fixos nas chamas da fogueira. Chen Xing guardou o mapa e se preparava para dormir quando, de repente, ouviu um uivo profundo de lobo ecoando das montanhas distantes. Em seguida, uivos começaram a ressoar de todos os lados, um após outro.

“Há tantos lobos”, murmurou Chen Xing.

O Rei Akele atiçou a fogueira para que as chamas brilhassem ainda mais intensamente, sinalizando que ele não precisava ter medo e que podia dormir em paz.

“Akele”, perguntou Chen Xing em voz baixa, “você já esteve aqui antes?”

O Rei Akele não conseguiu entender suas palavras. Balançou a cabeça negativamente e preparou uma cama improvisada para Chen Xing, indicando para ele simplesmente dormir.

“Obrigado”, disse Chen Xing.

“Xie xie*.” O Rei Akele não sabia muito da língua Han e só conseguia dizer isso.

(n/t: 谢谢 (xièxiè), lit. obrigado.)

Chen Xing deitou-se de lado. Os uivos dos lobos persistiam, perturbando-o profundamente, e por muito tempo não conseguiu dormir.

“Parem de uivar!” Chen Xing levantou-se frustrado e gritou.

O Rei Akele fez um “shhh” e gesticulou, indicando que havia uma montanha à distância – ele não deveria provocar uma avalanche.

Chen Xing não teve escolha a não ser deitar-se novamente. De repente, ouviu um som estranho vindo do chão – era assim que Xiang Shu havia detectado a invasão do exército de cadáveres vivos. Um som extremamente sutil, mas que o deixou em estado de alerta.

O Rei Akele estava sentado, mantendo vigília. Chen Xing rapidamente acenou para que ele escutasse o solo. Quando o Rei Akele se inclinou, Chen Xing viu luzes verdes cintilantes surgirem ao seu redor, piscando como vaga-lumes que se moviam de um lado para o outro

“O que é isso?” Chen Xing disse. “É inverno, como podem haver vagalumes…” Foi então que ele percebeu subitamente: aqueles eram os olhos dos lobos! A alcateia havia chegado!

O Rei Akele levantou-se lentamente e observou o entorno. De uma só vez, jogou toda a lenha na fogueira e adicionou manteiga, fazendo as chamas rugirem instantaneamente em direção ao céu. Milhares de lobos selvagens os cercavam, mas recuaram diante do fogo intenso. Chen Xing ficou nervoso, mas o Rei Akele disse algo.

“O quê?” Chen Xing gritou. “Não entendi!”

O Rei Akele armou seu arco com uma flecha. A alcateia de lobos circulava ao redor da fogueira, mas estavam com medo das chamas e não ousaram se aproximar demais.

O Rei Akele balançou a cabeça, sinalizando a Chen Xing que não precisava se preocupar. Chen Xing também sabia que, enquanto mantivessem o fogo aceso, os lobos não chegariam perto. Foi assim que haviam conseguido viajar até ali.

Porém, uma figura passou por cima deles e, de repente, uma enorme massa de neve despencou das árvores acima, esmagando a fogueira por completo.

Então outro “woo—” ecoou, como se um lobo estivesse incitando o grupo. Imediatamente, o Rei Akele mirou na direção do som e disparou sua flecha!

A flecha desapareceu na escuridão. Antes que ele pudesse armar outra, a alcateia aproveitou-se do fogo que se extinguiu e saltou sobre eles!

O Rei Akele recuou rapidamente e rugiu para Chen Xing. Ele nem precisava adivinhar – era uma ordem para fugir. Num reflexo, Chen Xing agarrou um arco e atirou em direção à floresta!

A alcateia avançou como uma onda e rapidamente envolveu os dois – mas seu alvo principal era o Rei Akele!

O ambiente mergulhou na escuridão. O Rei Akele rugiu furioso, lutando contra os lobos que o atacavam.

“Akele!” Chen Xing gritou, erguendo imediatamente a mão e liberando a luz da Lâmpada do Coração.

A alcateia de lobos pareceu assustada e começou a recuar uma após a outra. Chen Xing se virou para procurar os cavalos, mas os animais já haviam desaparecido. Lobos estavam por toda parte. Ele continuou a esquivar-se, desesperado para encontrar o Rei Akele.

Então, uma silhueta negra caiu do céu. Chen Xing mal teve tempo de olhar para cima quando – um gancho metálico de brilho gélido já cintilava contra sua garganta.

No exato momento, uma voz familiar ecoou: “Abaixe-se!”

Chen Xing instintivamente inclinou-se para trás. A garra de ferro passou raspando em seu rosto, deixando um rastro de luz estranha no ar. No mesmo instante, uma espada surgiu por trás dele, bloqueando a garra de metal. O atacante foi arremessado contra uma árvore com força brutal — o impacto quebrou o tronco ao meio, enviando uma avalanche de neve e galhos para o chão!

“Xiang Shu?!” Chen Xing gritou, incrédulo. “Xiang Shu! O que você está fazendo aqui?”

“IDIOTA!” Xiang Shu estava furioso, seus olhos faiscando de raiva. “Passei sete dias perseguindo vocês dois! Suba na árvore, AGORA!”

Chen Xing subiu, escorregou, subiu, escorregou, subiu, escorregou, subiu, escorregou, subiu, escorregou, subiu, escorregou… Xiang Shu finalmente perdeu a paciência. Ele levantou a perna e chutou Chen Xing na cintura para mandá-lo voando para cima da árvore. Chen Xing abraçou a árvore com força e continuou subindo, então gritou para baixo: “Encontre o Rei Akele!”

Xiang Shu brandiu sua espada gigante num golpe circular. As árvores ao redor partiram-se como gravetos e desabaram com um estrondo que fez a terra tremer. A alcateia de lobos fugiu em todas as direções, deixando apenas Chen Xing abraçado ao topo de um pinheiro de três zhang* de altura, balançando de um lado para o outro.

(n/t: *zhang unidade de medida antiga equivalente a 3,3m)

“ATRÁS DE VOCÊ!” Chen Xing gritou. O que era aquilo? Um homem… ou um yao?!

O assassino era incrivelmente baixo — mal chegava à metade da altura de Xiang Shu. Movendo-se como um animal, correu velozmente pela neve e, num piscar de olhos, já estava atrás de Xiang Shu. Xiang Shu girou rapidamente e bloqueou com sua espada — “CLANG!” O som metálico ecoou no ar gelado. Mas, num instante, a sombra saltou por cima dele e atacou novamente, desta vez mirando a nuca de Xiang Shu com suas garras afiadas!

Era rápido demais! Chen Xing sempre acreditou que ninguém poderia superar a velocidade de Xiang Shu, mas aquela sombra negra parecia voar sobre a neve! Xiang Shu girou uma vez, depois outra — mas a sombra o seguiu implacavelmente, até que, num salto repentino, lançou-se sobre suas costas e agarrou-se firmemente!

Com as pernas firmemente entrelaçadas no tronco, Chen Xing amassou rapidamente uma bola de neve e arremessou-a para baixo.

A bola de neve voou pelo ar e acertou em cheio o rosto da sombra negra! Xiang Shu aproveitou o momento de distração para agarrar a criatura com força e arremessá-la para longe.

“É um yao!” Chen Xing gritou. “Espera eu descer para te ajudar!”

Xiang Shu finalmente conseguiu enxergar a sombra negra com clareza — e deparou-se com uma maldita criatura meio-lobo, meio-humana. Um rosto humano surgia dentro da boca do lobo, que uivou roucamente para Xiang Shu antes de olhar para cima e avistar Chen Xing, ainda agarrado à árvore. Num salto, suas garras metálicas cravaram-se no tronco, e em um piscar de olhos a criatura já havia escalado vários zhang de altura. Xiang Shu partiu imediatamente em perseguição, mas Chen Xing, receoso de pular, de repente viu o inimigo bem na sua frente.

“Você é…?” Em pânico, Chen Xing iluminou os arredores com a Lâmpada do Coração, revelando instantaneamente a aparência completa daquele homem.

Não era um yao-lobo, nem mesmo um monstro — era uma pessoa!

Era uma criança!

A criança ficou momentaneamente cegada pela luz branca, levantando o braço para proteger os olhos enquanto agitava suas garras metálicas. Sob a iluminação da Lâmpada do Coração, a borda das garras revelava runas peculiares gravadas no metal.

As garras cintilavam com uma luz fosforescente, assumindo a forma de garras de dragão. No entanto, armas com esse formato eram raríssimas no mundo. Os caracteres dourados gravados nessas garras, por algum motivo, fizeram Chen Xing recordar subitamente os registros que havia lido em textos antigos.

Nos tempos ancestrais, o Deus Dragão desceu sobre um lugar ao extremo norte da Terra Divina. Suas garras foram encontradas por Gongshu Ban e refinadas em uma arma sagrada no mundo mortal. Seu nome era…

Cangqiong Yilie!

“Espere!” Chen Xing gritou. “Por que você tem essa—”

“ESPERA!”

“GRRR!”

“Me escute!” Chen Xing ficou desesperado, as palavras saindo entre dentes cerrados. “Me ouça, seu moleque maldito!”

O garoto estava envolto em uma pele de lobo cinzenta, com a cabeça do animal servindo como capuz. Com as pernas firmemente presas ao tronco, ele lançou uma garra em direção à garganta de Chen Xing.

Debaixo da árvore, Xiang Shu disparou uma série de flechas em rápida sucessão. O garoto abandonou o ataque a Chen Xing e, sem sequer olhar para trás, girou no ar e desviou todas as flechas com suas garras de aço — “Ding! Ding! Ding!” — três sons metálicos ecoaram enquanto as flechas eram arremessadas para longe.

“EU DISSE PRA ME OUVIR!” Chen Xing finalmente explodiu. Agarrou um punhado de neve e esfregou com força no rosto do garoto.

Talvez Chen Xing parecesse tão inofensivo que o garoto baixou completamente a guarda. Inesperadamente, ele perdeu o equilíbrio no instante em que foi atingido e caiu da árvore, fazendo as folhas farfalharem no caminho. Xiang Shu o perseguiu até debaixo da árvore, mas o garoto executou uma pirueta no ar — girando, saltando vários zhang e aterrissando firmemente no campo nevado. Ele levantou ligeiramente a cabeça e… 

“Awoo–” O garoto olhou para o céu e soltou um uivo de lobo.

A alcateia de lobos recuou, um por um. Xiang Shu já preparava seu arco quando — num piscar de olhos — aquela criança havia levado a alcateia a recuar completamente e desaparecer na floresta.

Chen Xing: “…”

Xiang Shu ofegava rapidamente. Fora da floresta, seu cavalo já havia fugido assustado. Ele correu o caminho todo no momento em que ouviu os lobos uivando, e percorreu quase cinco quilômetros até ali.

Chen Xing: “É uma pessoa! É uma criança!”

Xiang Shu disse impacientemente: “Eu vi! Eu não sou cego!”

Chen Xing correu até Xiang Shu e olhou na direção em que os lobos haviam desaparecido. Ele disse: “Além disso, ele não estava usando roupas! E não parecia entender nada do que a gente falava.”

Xiang Shu praticamente não sabia mais o que fazer com ele. Ele guardou a arma nas costas, agarrou Chen Xing pelo colarinho, empurrando-o contra uma árvore e rugiu: “Por que você fugiu de Chi Le Chuan sem dizer uma palavra?! Você sequer pensou em mim?!”

“Hã…” Só então Chen Xing percebeu a gravidade da situação. “Não… não fique bravo, eu só não queria que você…”

Nos últimos dias, Xiang Shu havia partido de Chi Le Chuan, mas não conseguia alcançar o Rei Akele e Chen Xing de jeito nenhum. A forte nevasca havia coberto as pegadas do cavalo, e o Rei Akele era um velho caçador extremamente experiente. Xiang Shu os perseguiu por todo o caminho até o Lago Barkol, mas sempre estava um pouco atrás dos dois.

Durante toda a perseguição, a fúria de Xiang Shu só aumentava. No começo, bastaria alcançar Chen Xing e dar-lhe uma boa bronca. Depois evoluiu para lhe dar um tapa na cara. E agora, com sua paciência esgotada, só queria amarrar o idiota numa árvore e espancá-lo até cansar.

Chen Xing, de repente riu e disse: “Isso é maravilhoso! Estou tão feliz!”

Num impulso, deu um passo à frente e abraçou Xiang Shu pela cintura, enterrando o rosto em seu peito: “Isso é ótimo!!”

“Vai se ferrar!” Xiang Shu estava prestes a enlouquecer de raiva. Ele agarrou Chen Xing e o arrastou para longe.

Chen Xing explicou com um sorriso: “O Rei Akele disse que podia me mostrar o caminho. Não quis te incomodar…  Espera! Cadê o Rei Akele?”

Os dois se entreolharam, alarmados, e imediatamente saíram correndo na direção que a alcateia havia partido. Xiang Shu abaixou-se para examinar as pegadas na neve, mas o chão já estava uma bagunça. Chen Xing adiantou-se até os restos da fogueira extinta. “Aqui! Foi aqui que ouvi sua voz pela última vez…”

O que Chen Xing mais temia era encontrar o cadáver do Rei Akele, mas felizmente não o encontrou. Na noite escura, Xiang Shu disse: “Se ele estiver morto, a culpa será sua!”

Chen Xing: “…”

Chen Xing ficou parado na neve, perdido e sem saber como reagir. Xiang Shu ainda estava furioso por ele ter deixado Chi Le Chuan sem aviso, e naquela explosão de raiva, falou sem pensar nas consequências. Mas, ao se acalmar, se deu conta que havia exagerado. Afinal, o Rei Akele também partiu em busca da verdade — ele mesmo escolheu acompanhar Chen Xing nesta jornada para o norte. Como poderia culpá-lo por isso?

Xiang Shu observou a expressão de Chen Xing — ele estava prestes a chorar. De repente, uma onda de culpa o atingiu.

“Não vai acontecer nada”, Chen Xing, no entanto, rapidamente se recompôs, e disse, “Os lobos não estavam nos caçando para comer. Eles nos seguiram até aqui por outro motivo… Acho que tem a ver com aquele garoto. Eles não matariam sem motivo. AKELE! VOCÊ TÁ AÍ?!”

Xiang Shu soltou um suspiro de alívio e seguiu Chen Xing enquanto ele caminhava desajeitadamente pela neve, gritando em todas as direções. O Rei Akele continuava desaparecido, mas encontraram os cavalos perdidos, que relincharam ao vê-los.

Xiang Shu assobiou, e seu cavalo também retornou.

◈ ◈ ◈

Eles estavam na divisa do bosque, onde as pegadas dos lobos se perdiam no horizonte. O céu estava gradualmente clareando, e a vasta extensão de neve começava a ser iluminada.

Chen Xing olhou para Xiang Shu. Xiang Shu também não conseguia se decidir por um momento e disse: “Vamos seguir e ver no que dá.” Então, os dois montaram em seus cavalos e cavalgaram por cerca de 800 li pelo campo nevado. O céu já estava claro, quando Xiang Shu de repente disse: “Espere!”

Chen Xing viu o colar de dentes de lobo do Rei Akele caído tranquilamente na neve e finalmente sentiu-se aliviado. Pelo visto, ele havia sido capturado pela alcateia.

“Akele!” Chen Xing olhou em volta e gritou.

“Ele não se chama Akele!” Xiang Shu corrigiu, “Akele é o nome de uma tribo!”

Chen Xing: “Ah… então qual é o nome dele?”

Chen Xing segurou o colar e pensou que teria que salvar o Rei Akele custe o que custar. Durante a jornada até ali, eles haviam estabelecido uma estranha amizade. Depois de vivenciar a dor da perda do filho, o homem de meia-idade teve um filho na velhice e até havia tratado Chen Xing como um filho. De qualquer forma, Chen Xing precisava trazê-lo de volta vivo.

Xiang Shu também não fazia ideia de qual era o verdadeiro nome do Rei Akele. Depois de ficar um tempo pensativo, acabou mudando de assunto: “Vamos.”

“Você claramente também não sabe”, disse Chen Xing, montando em seu cavalo e seguindo o rastro deixado pela alcateia em retirada.

Xiang Shu: “Ei!”

Chen Xing: “?”

Chen Xing, montado no cavalo, lançou um olhar para Xiang Shu.

Xiang Shu: “Você não confia em mim?”

Chen Xing: “Eu só não queria te colocar numa situação difícil! Você é o Grande Chanyu da Aliança Chi Le, e agora ainda tem os demônios da seca causando o caos. Você tem tantas pessoas sob seu comando, como poderia simplesmente deixá-las de lado e partir?”

Xiang Shu: “Quem foi que disse que queria um Protetor para protegê-lo?”

Chen Xing: “Mas você tem alguma intenção de ser meu Protetor? Não tenho como te bancar! Grande Chanyu!”

Xiang Shu disse, incrédulo: “Eu te persegui por oitocentos li! Não pode dizer algo legal? Tá bom! Vou voltar agora mesmo!”

Chen Xing ainda sentia uma pontada de ansiedade no coração — quem diabos era aquela criança? Por que ele teria uma arma sagrada tão poderosa em suas mãos? E ele tinha ainda menos pistas para a resposta do último. Ao olhar para Xiang Shu, de repente entendeu o verdadeiro significado por trás daquelas palavras.

Xiang Shu estava se desculpando com ele.

“Então, obrigado, ah”, disse Chen Xing com um sorriso falso e forçado.

Xiang Shu: “…”

Xiang Shu impulsionou seu cavalo e quis tirar Chen Xing do dele para lhe dar uma lição, mas Chen Xing apressou seu próprio cavalo e galopou para longe. Xiang Shu ficou admirado. “Quando foi que você aprendeu a cavalgar tão bem?!”

“Akele me ensinou!” Chen Xing respondeu. “Atire em mim para me matar com suas flechas, ah!”

◈ ◈ ◈

Xiang Shu esporeou seu cavalo e, num piscar de olhos, alcançou Chen Xing. Os dois agora galopavam lado a lado pelo campo nevado, mas os cavalos não eram muito obedientes, especialmente o velho cavalo marrom de Xiang Shu, que tentava se soltar das rédeas de vez em quando. Quanto mais corriam, mais o cavalo teimoso se desviava para o nordeste, arrastando Xiang Shu junto.

“Este cavalo enlouqueceu!” Xiang Shu explodiu. “Volte!”

“Por que você está descontando sua frustração no cavalo?” Chen Xing virou-se para olhar para Xiang Shu, apenas para ver o velho cavalo correndo constantemente para o leste. Por outro lado, Xiang Shu puxava as rédeas com força e, em um único fôlego, arrastou o velho cavalo de volta.

Xiang Shu: “Eu vou deixar pra lá! É tão teimoso!”

Xiang Shu estava repreendendo o cavalo, mas Chen Xing naturalmente entendeu as insinuações por trás disso. Xiang Shu estava prestes a pegar sua adaga para cortar as rédeas quando Chen Xing disse: “Esse é o cavalo da sua mãe, você pode simplesmente soltá-lo se quiser, o que isso teria a ver comigo?”

“O quê?” Xiang Shu parou abruptamente, perplexo. “Impossível! Onde você conseguiu esse cavalo?”

Chen Xing transmitiu as palavras da Consorte. As dúvidas de Xiang Shu aumentaram ainda mais e ele disse: “Esse é o cavalo que ela montou na primeira vez que veio para o norte?”

“Talvez”, Chen Xing respondeu, observando o velho cavalo gradualmente se acalmar e voltar a seguir o grupo.

Xiang Shu perguntou: “Para onde ele estava tentando ir?”

Chen Xing, é claro, não fazia ideia. O sol nascente banhou o mundo em luz, transformando a neve num manto cintilante que quase cegava os olhos. Felizmente, não nevou naquela noite, e as pegadas da alcateia eram distintas e fáceis de reconhecer. Depois de cruzar as vastas planícies, eles continuaram a seguir para o horizonte.

E naquele lugar, a lendária montanha mencionada nas lendas do povo Xiongnu finalmente surgiu em meio à névoa.

Uma cordilheira estreita e alongada — com dezenas de li de extensão — ergueu-se diante deles. Nuvens brancas envolviam os picos nevados, e toda a montanha parecia ter sido partida em três por um raio, revelando desfiladeiros profundos e estreitos em seu centro.

Em frente ao desfiladeiro havia um lago que ocupava mil qing¹, e que refletia a luz solar intensa como um espelho.

E, em ambos os lados do desfiladeiro, sobre a neve branca, incontáveis pontos negros agachavam-se nas alturas —

— dezenas de milhares de lobos negros.

Os cavalos começaram a entrar em pânico e recuaram um após o outro.

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Nota:
1 Qing (顷), Uma antiga unidade de área chinesa, equivalente a aproximadamente 6,67 hectares ou 66.666 metros quadrados. Um lago de mil qing seria incrivelmente vasto, cobrindo cerca de 667 quilômetros quadrados.

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Flor: AAAAAAAHH 

Esses dois não perdem a oportunidade de se abraçarem he he~

Um já tá rendido pelo outro, só falta falarem!