Ler Caminhando sobre às águas – Capítulo 43 Online

Quando a mão de Janine com o esmalte vermelho puxou a borda do cetim, o tecido branco deslizou como água na cachoeira.

Quando a estátua de três metros foi revelada, a primeira coisa que veio à mente foi a estátua do touro em Wall Street. Isso porque o tamanho grande era assustador, e era metade homem metade besta. Os chifres que haviam sido removidos do molde alguns dias atrás brilhavam sob as lâmpadas fluorescentes.

Como se lutasse em agonia, o homem cobria os ouvidos com as duas mãos e corria para frente. A parte superior do corpo do homem era humana, mas a parte inferior parecia de um touro com suas quatro patas, ou um cavalo. Um mosaico foi esculpido na estátua, um lado era um lago de fogo ardente e o outro era uma floresta sombria com chuva torrencial. Isso de alguma forma criou uma sensação reverente de incongruência no interior um tanto barulhento.

Todos reunidos no corredor do primeiro andar disseram algo para Janine. A estátua foi nomeada de “Centauro Demônio”, alguns diziam que era assustadora, mas a maioria dizia que era impressionante

Não levei isso a sério, mas também é verdade que subestimei levemente o grande orgulho que ela demonstrava, porque achei que havia um sentido malicioso na escultura de Janine. No entanto, mesmo para mim que era novo no mundo das artes, estava claro que a estátua não foi feita para fazer de Jack Black uma piada, parecia um trabalho feito com muito esforço.

O rosto do homem estava distorcido como se ele estivesse passando por um pesadelo. Objetos atípicos se retorcem e atingem o homem como ondas, e as ondas turbulentas e sombrias eram feitas com a adição de ladrilhos e mosaicos de vidro que brilhavam intensamente sob luzes fluorescentes.

Janine me disse com um sorriso que dedicaria a escultura a Jennifer, mas, por ironia, ele não estava presente no momento em que a peça foi exposta. Talvez Janine e Jenny tenham uma batalha sangrenta em um futuro não muito distante. Glenn McQueen, que estava ao seu lado, enfiou a mão no bolso da calça, olhou para Janine e disse.

— Vou ficar do seu lado.

Talvez ele tivesse o mesmo pensamento que eu.

— Eu vou me divertir assistindo.

Taylor esfregou a barba e sorriu. Liam, por outro lado, olhou para a estátua com os braços cruzados como se estivesse impressionado.

— Eu vou segurar.

De qualquer forma, Jack Black não estava lá.

Estava com sede, então sentei em uma cadeira encostada na parede com um copo de coca-cola, embora o ar-condicionado estivesse ligado, ainda fazia calor dentro do sala lotada. Tirei o terno, coloquei no colo e bebi a coca-cola. Enquanto mastigava o gelo na boca, Glenn McQueen do outro lado entrou em meu campo de visão.

Já faz algum tempo que as pessoas se aglomeram em torno dele. De repente, ele desapareceu da minha vista quando foi puxado para baixo. Bebi tudo e caminhei no meio da multidão. Cercado por pessoas e forçado a se deitar no chão, ele segurava as roupas com força para não perdê-las.

— Se isso é um tipo de vingança, vai me pagar em dobro depois.

Com um sorriso perplexo, McQueen soltou a mão do homem que puxava sua camisa. No entanto, ele foi amarrado por trás, e os homens finalmente tiraram sua blusa.

— Não faça isso. Vamos brincar com um pouco mais de calma.

— Hum? Não vai ter uma festa de orgia hoje?

O homem riu enquanto espalhava o chantilly do bolo em torno do peito amarrado de McQueen. As pessoas ao seu redor aplaudiram a brincadeira ousada. Quando McQueen balançou a cabeça e relaxou como se tivesse se rendido, o homem colocou o bolo no chão e começou a desabotoar as calças de McQueen com as mãos cheias de creme.

— Não. Nada de sexo esta noite nesse prédio.

Eu lentamente olhei em volta, para o rosto brincalhão de McQueen, os homens que o amarraram, o homem em cima de McQueen e a multidão entusiasmada ao seu redor. Parecia impossível pensar direito nesse lugar.

Escapei da multidão e coloquei comida em um prato. Pensei em beber um pouco, mas estava com dor de estômago porque havia bebido por dois dias seguidos. Por fim, desisti e coloquei o coquetel na mesa. Coloquei dois camarões fritos com batatas na boca e mastiguei, e ouvi um som de vaias vindo de trás. Glenn McQueen, que por pouco escapou de ser escravizado, pegou suas roupas e fugiu no meio da multidão.

Depois de limpar o chantilly da barriga com a camisa, ele se aproximou de mim, pegou um coquetel e esvaziou um copo um após o outro. Ele respirou fundo com o rosto avermelhado e levantou a cabeça após um longo suspiro. Ele ergueu a mão de chantilly, suor e álcool e enxugou o suor do queixo com as costas da mão relativamente limpa.

Um vento quente soprou dele. Era como a brisa salgada do mar misturada com um cheiro doce. Quando ele se virou, suas costas estavam vermelhas. Os músculos suados e brilhantes das costas eram levemente contraídos e puxados cada vez que ele se movia. Impressões de mãos vermelhas que lembram marcas de uma noite de sexo estavam gravadas nele.

Depois de deixar seu assento, ele se moveu de forma rápida e dinâmica, evitando  os homens que se aproximavam dele. Pensei em ir até lá, mas apenas fiquei ali sentado. As pessoas rapidamente o notaram novamente. As risadas de McQueen eram ouvidas.

‘Melhor ir para casa.’

Olhei para o relógio pendurado na parede. Passava um pouco das nove e meia, mas como a escultura já havia sido revelada, pensei que já podia ir para casa, então peguei minha bolsa.

— Você já vai?

Janine, que estava tirando fotos em frente à estátua, perguntou enquanto tirava uma foto minha com uma câmera.

— Sim.

— Fique um pouco mais.

— Eu tenho que ir. Está tarde.

— As pessoas vão para outro lugar agora. Tem uma boate gay aqui perto. Espere um pouco e quando eles forem embora vamos embalar a comida. A equipe do bufê vai recolher tudo por volta das onze horas, mas é um desperdício deixar toda essa comida para trás.

Disse Janine, enquanto esvaziava alguns copos de coquetéis. Olhei em volta, mas a mesa com a comida estava quase vazia.

— Há muita comida no segundo andar. Trouxe muita de casa, incluindo meus pratos.

Acenei com a cabeça porque era difícil dizer não agora que conhecemos muito bem as circunstâncias um do outro, e sua oferta atenciosa era realmente tentadora. Olhando para Janine com uma expressão tímida de vergonha, sorri como se estivesse compartilhando um segredo.

O álcool no salão acabou e as pessoas começaram a ir embora uma após a outra. Elas saíram do prédio para se mudar para uma boate famosa nas proximidades. O interior, que ecoava com os ruídos estrondosos, ficou vazio rapidamente. Janine retirou diligentemente um pote plástico de dentro de uma sacola dizendo que precisavam embalar a comida antes que o bufê chegasse para retirá-la. Seguindo ela, para a separação dos alimentos, os embalamos um a um, por tipo, com pinças, mas evitei um tipo de macarrão que tinha sido cozido demais.

— Em vez de ser vaidoso sem necessidade, é mais fácil passar alguns dias sem se preocupar com as refeições? Não acha?

— Sim.

Janine, que dividiu o molho e geleia em pequenos recipientes, me entregou um copo de coquetel.

— Eu não quero beber muito.

— Mesmo?

Janine pegou a bebida que havia me oferecido e engoliu de uma vez.

— Os vegetais estão murchos. Devo embalar isso também?

— Tudo bem. Ed, você gosta de muffins?

— Sim.

— Certo.

Quando coloquei a comida no recipiente, a quantidade era bem grande. A tampa foi fechada e lacrada, e novamente foi classificada por tipo e colocada dentro de um saco de papel.

— Você fica com isso. Eu vou levar esse.

— Hmm.

— Coloque as coisas que você pegou na geladeira imediatamente. Está quente, então pode estragar logo.

— Ok.

Descemos para o saguão do primeiro andar com comida que nos alimentaria por alguns dias. No silêncio após a festa, os gritos e gargalhadas pareciam ecoar no salão vazio. Também podia me lembrar claramente do som da risada de McQueen que ressoava como o estouro de um balão.

Sua brincadeira frívola foi um choque cultural para mim. Embora a expressão pareça exagerada, mas não consegui pensar em outras palavras para descrever o desconforto que senti ao testemunhar a ousadia daqueles homens sem roupa.

A aparência decente e solitária do Glenn McQueen que eu conhecia era apenas uma de suas dezenas de milhares de facetas. No final das contas, nem a frivolidade nem a decência eram uma linha reta para ele. Portanto, não havia necessidade de se sentir distante nem próximo de cada uma de suas aparições.

Quando peguei as bolsas para deixar o solitário salão de festas e ir para casa, Janine se sentou e olhou para mim.

— Vamos esperar mais um pouco.

— Por quê?

— Vamos esperar por McQueen. Ele virá logo.

— Ele não foi pra boate com aquelas pessoas?

— Sim, mas ele disse que voltaria logo. Daqui a pouco será quinta-feira e ele ainda não escreveu a prévia do seu vídeo. Ele vai voltar e não podemos simplesmente deixar o prédio vazio e sair.

Larguei as bolsas e me sentei para fazer contato visual com Janine. Ela pegou alguns amendoins, colocou um por um na boca e as mastigou. Com o queixo apoiado nos joelhos, seus olhos pareciam cansados. Até a maquiagem escura havia desbotado.

— Mas Ed…

— O quê?

— Você estava falando sério sobre o que disse antes?

Quando ela olhou para mim seus olhos estavam sombrios. Talvez estivesse falando sobre a sinopse que Taylor tinha citado mais cedo. Acenei com a cabeça olhando para o nada, evitando o olhar fixo dela. A risada forçada de Janine foi ouvida.

— Certo. Por qual razão vou me opor a isso? Mas, eu não sei.

— …

— Por que continuo me sentindo desconfortável quando olho para você?

Eu olhei de volta para Janine.

— Eu acho que é porque você não se encaixa muito neste mundo.

Com o rosto sombrio, ela murmurou. Mesmo tendo feito essa escolha, eu ri porque  realmente não me encaixo nesse mundo.

— Por que você está rindo?

— Eu também não acho que me encaixo.

Não sei como a pergunta de Taylor me comoveu há pouco. O valor do cachê mexeu comigo ou foi o nome Glenn McQueen que me envolveu?

— Bem, amanhã você pode mudar de ideia.

Lamentando o descuido de mais cedo, peguei alguns amendoins da mão de Janine e mastiguei. Baguncei seu cabelo enquanto ela me observava em silêncio.

—  A escultura vai ficar aqui?

— McQueen disse que estava tudo bem. Minha casa é pequena, então não há onde colocá-la.

Ela virou a cabeça e olhou para a estátua. Olhou para a escultura por um longo tempo sem piscar, e murmurou com um suspiro.

— Eu me sinto vazia agora que terminei.

— …

— Esvaziei tudo, agora eu tenho que procurar preencher de novo.

Ela apoiou o queixo nos joelhos de novo, colocou os amendoins na boca e os mastigou.

Diante das palavras de Janine pensei em minha vida exausta. Achei que já tinha consumido todo o combustível do meu corpo, mas senti algo transbordar dentro de mim. Olhei para a porta fechada enquanto Janine mastigava os amendoins que havia colocado na boca. No entanto, quando a porta se abriu, não havia nenhum sorriso alegre no rosto de Glenn McQueen.

— Ah… vocês esperaram muito tempo? Podem ir agora.

Seu olhar dirigido a Janine com impaciência, se voltou para mim. Sua expressão não era boa.

— Escreva a prévia rápido. Já é quase meia-noite.

— Isso…

Ele fez uma pausa e continuou a falar.

— Acho que preciso passar no hospital antes.

— No hospital? Por que no hospital? Você se machucou?

Levantando-se, Janine limpou o pó das palmas das mãos.

— Recebi um telefonema de Cecil.

— Cecil? Por que Cecil?

— Ryan foi levado para o pronto-socorro.

Ele esfregou o rosto vermelho de embriaguez e cobriu a testa com a palma da mão, como se medisse o calor da cabeça latejante. Glenn McQueen que olhava para Janine enquanto ela perguntava com uma expressão séria no rosto, veio até mim. Em seguida, ele engoliu lentamente a saliva na boca e disse.

— Ed, você bebeu pouco, certo?

Continua…