Ler Caminhando sobre às águas – Capítulo 27 Online

Era uma época em que as pessoas não tinham muito tempo para visitar umas às outras. Quando abri a porta surpreso, o menino encharcado de suor falou:

— O quê?

Acho que era eu quem deveria dizer isso.

O menino olhou para mim e franziu a testa. Ele ergueu o dedo indicador enquanto pressionava a campainha. Era Yo-wi, filho do primo de Chang. Enquanto limpava, olhei para o cara do lado de fora da porta com um esfregão, inclinei a cabeça e disse.

— Quem é?

Yo-wi respondeu, enquanto tocava a corrente de segurança que foi instalada para que a porta não pudesse ser aberta.

— O que você quer dizer com ‘quem é’?

— …

— Eu sei que sou bonito, então porque você não para de olhar e abre a porta para mim?

Eu estava me perguntando se a personalidade atrevida e descarada de Yo-wi tinha sido herdada do primo de Chang. Eu destravei a corrente, imaginando como o sangue cruel e rude flui por suas veias. Assim que abri a porta ele entrou e pediu água gelada. Yo-wi pegando um copo, olhou ao redor da estreita sala de estar e do quarto e disse:

— Oh, sua casa é muito ruim. Não há elevador e aqui dentro está mais quente do que lá fora.

— Por que veio aqui?

— Mas pelo menos está bem limpa.

Por causa dos raios de sol que batiam no telhado, o apartamento ficava quente e abafado no verão. Quanto menor a casa mais abafada ela é, então sempre a mantinha organizada e limpa. Eu perguntei novamente olhando para Yo-wi, que olhava ao redor da sala como se quisesse criticar o lugar.

— O que você veio fazer aqui?

Fingindo não me ouvir, ele bebeu toda a água.

— O que você estava fazendo?

— Faxina.

— E o que mais há para limpar aqui?

— Os pelos do gato.

Como se compreendesse, Yo-wi assentiu com a cabeça, se aproximou de Empa que olhava a paisagem do lado de fora, sentando-se perto da janela . Por ser de uma raça com pelo comprido, se eu deixasse de limpar a casa mesmo que por um dia, o pelo tomaria conta de toda sala. O cara olhava para Empa, que estava gentil e quieto mesmo com um estranho acariciando suas costas, sentou-se na cama com o gato nos braços.

— Não consigo ficar parado.

— …Vou ficar quieto aqui.

— Não foi isso que eu quis dizer. Mesmo quando estou em casa, não consigo ficar quieto, é como se minhas pernas tivessem vida própria. Você acha que tenho um distúrbio de limpeza?

Balancei a cabeça e continuei limpando os pelos do gato e a prateleira empoeirada.

— Sochi diz que esse sentimento constante é a misofobia¹. A casa está limpa e quase vazia, até porque é pequena e quase sem móveis.

— Só preciso fazer isso.

Respondi o garoto tagarela e continuei limpando a poeira da prateleira com um espanador. Eu podia sentir o olhar na minha nuca.

— Bem, eu gosto do seu jeito cuidadoso. Mas você não consegue economizar grana.

— Você está tentando arranjar uma briga? – Respondi, dobrando o espanador ao meio.

— Foi mal, pisei na bola.

— Está bem. Só porque você é legal.

— Ah é? Bem, você sabe, não dá para ganhar muito se fizer apenas coisas boas.

Soltei um longo suspiro ao ouvir os conselhos econômicos de um garoto de 15 anos. Quando larguei o esfregão e olhei para trás, Yo-wi estava olhando para mim, enquanto fazia carinho no gato.

— Quem disse?

— Eu só… Eu acho que é sim que as coisas são.

Considerando o ambiente em que Yo-wi vive, não era um absurdo total que esse tipo de ideia fosse estabelecida em sua mente. Olhei para ele em silêncio e com aceno de cabeça apontei para o relógio na parede.

— Já passa das dez horas. Por que você está aqui tão tarde?

— E só que…

— Chang mandou você?

As sobrancelhas de Yo-wi se contraíram enquanto ele erguia Empa e o abraçava como um bebê.

— Só posso vir aqui se Chang me enviar? Eu não sou um espião.

— Por que então?

— Vim para Flushing depois de sair com meus amigos, então me lembrei de você.

Era cansativo até mesmo conversar com outra pessoa. Encostei meu quadril ligeiramente contra a prateleira. Passei toda a semana trabalhando com a equipe de segurança debaixo do sol escaldante. Pretendia dormir depois da faxina, então a visita do sobrinho de Chang não foi tão agradável.

— Por que você pensaria em mim?

Cruzei meus braços e olhei para ele. Sob as sobrancelhas escuras, as pálpebras duplas eram claramente visíveis e olhos grandes e amendoados me encaravam. Como se para provar que o sangue daquele homem fluía por suas veias, seus olhos se pareciam com os dele. Até seu jeito de olhar era semelhante, um olhar que deixava um rastro como se estivesse me escaneando de baixo para cima.

Depois de um longo silêncio, ele perguntou.

— Ouvi dizer que você fez um depósito de $7.500 esta tarde.

Yo-wi abraçou Empa com força. O gato, preso em seus braços, lutou e o empurrou para longe.

— De onde você tirou o dinheiro?

Quando finalmente se soltou dos braços de Yo-wi, Empa pulou da cama e desapareceu na sala. Yo-wi, que teve um vislumbre das costas de Empa, voltou a olhar para mim.

— Você está determinado a quitar essa dívida?

— Sim…

— Você está vendendo drogas?

Não pretendia prestar contas a esse pirralho. Quando não respondi, Yo-wi se levantou da cama e se aproximou de mim. Ele perguntou novamente, abaixando levemente a cabeça.

— Você vende drogas?

— Não.

— É algo ilegal?

— Não é da sua conta.

O garoto, com uma expressão de curiosidade, olhou para mim e estreitou os olhos.

— Não há como ganhar tanto dinheiro sem ser uma coisa ilegal.

— Você veio aqui porque estava curioso sobre isso?

— Uh.

Yo-wi cruzou os braços e olhou para mim.

Olhei para ele em silêncio, enquanto procurava o isqueiro e um cigarro na prateleira. No momento em que coloquei o filtro na boca e tentei acender meu cigarro, ele tirou o isqueiro da minha mão e rapidamente acendeu o cigarro nos meus lábios. Que garoto metido.

— Você não precisa saber.

Dei uma grande baforada no cigarro e exalei a fumaça em direção ao chão.

— Isso é irritante.

— Irritante?

— Mas eu sou o único que sempre pensa em você. Cada vez que vem, te sirvo um grande prato de dim sum.

Sua voz, misturada com um pouco de raiva, tremia como se ele tivesse ficado chateado. Quão patético eu devo ter parecido para ter que ouvir as reclamações preocupadas de um menino? Suspirei, apertando o cigarro no cinzeiro e o apagando. O interior do apartamento estava tão quente que até mesmo o calor que vinha da fumaça do cigarro parecia insuportável. Limpei o suor da testa com as mãos e as enxuguei em um pano.

— Está tarde. Devo ligar para sua mãe?

— Não. Ninguém faria nada contra mim.

Esfregando a ponta do nariz com as costas da mão, ele murmurou. Os olhos do menino brilharam com um tom de arrogância.

Como disse Yo-wi, não apenas Chinatown, mas a maioria das áreas residenciais chinesas do Queens eram administradas pela família Cho, então não havia ninguém imprudente o suficiente para tocar nele, já que todos estavam a par da situação.

Não sei exatamente como funciona esse submundo, mas ouvi que o pai do Yo-wi era membro de uma organização chamada Sinui-An em Hong Kong. Enquanto gerenciava uma das dezenas de organizações afiliadas a Sinui-an, ele se mudou para os Estados Unidos e criou a organização sob o comando de seu tio, Jo Wi-ryeon, há mais de 20 anos.

O pai de Yo-wi se casou com a prima de Chang, que estava tentando se naturalizar em Hong Kong para se tornar uma estrela de cinema, e tiveram Yo-wi. A pedido de sua esposa, o homem colocou Chang sob sua proteção. Foi graças a isso que a família Chang, que fazia bolinhos em um beco, adquiriu vários restaurantes em Nova York.

Suspirei, enquanto olhava para o menino que sorria cheio de confiança.

— Não há lugar para dormir aqui.

Olhando ao redor da sala com os olhos estreitos, Yo-wi disse grosseiramente.

— Você não está morrendo de calor? Eu nunca conseguiria dormir aqui.

— Estou cansado.

Enquanto eu pressionava as pontas dos dedos nos olhos sonolentos e murmurava, o menino revirou os olhos e lambeu os lábios.

— Vai logo.

— O que é isso, você não se preocupa comigo?

Rosnando, Yo-wi se virou. Fiquei parado na porta como se estivesse lhe mandando embora e dei tapinha no ombro do garoto chato.

— Não fique na rua até tarde.

— Você está saindo com uma mulher rica?

Não respondi à pergunta imediatamente, apenas empurrei Yo-wi, que estava especulando demais.

— Sim, tchau.

Olhei nos olhos do menino que parecia surpreso e fechei a porta. Ouvi uma batida de soco na porta, mas não me importei e a tranquei assim mesmo. Por ter feito isso, não tinha como evitar o julgamento do garoto, nem queria mentir. Eu estava cansado e não queria pensar nisso.

Entrei na sala e me inclinei no parapeito da janela. Pouco depois do som das batidas na porta cessar, pude ver as costas de Yo-wi, quando ele saiu pela entrada principal do edifício que dava acesso aos apartamentos. Suas costas amplas e galantes pareciam um touro.

Me afastei da janela por um momento, eu não tinha tempo para pensar no físico do garoto. Tentei entender a compaixão que ele tinha por mim. Mas, aos vinte e quatro anos, fiquei com vergonha de ter que ouvir um garoto de 15 anos falando assim.

Olhei para baixo, para a cidade mergulhada na escuridão por um tempo e coloquei o braço para fora da janela. Ao contrário do interior do apartamento, onde o calor se espalhou, o vento noturno que roçou na minha mão estava frio.

Deitei na cama e olhei para os ponteiros do relógio antes de colocar o tapa-olho, eles marcavam exatamente meia-noite. Estava na hora de regenerar o corpo e a mente. Fechei os olhos para descansar o corpo exausto, a noite estava prometendo ser quente o suficiente para derreter meus miolos.

A primeira coisa que me veio à mente pouco antes de adormecer foi que o vídeo seria atualizado em algumas horas.

***

N¹: Misofobia é fobia de sujeira, germes, ácaros, fungos etc.