Ler Caminhando sobre às águas – Capítulo 26 Online

Na parte inferior da tela, haviam links para filmografia e sites externos. As obras e títulos embaraçosos que vi outro dia quando visitei a McQueen Entertainment também estavam em uma longa e organizada lista. Eu pesquisei apenas por curiosidade, mas não sabia se ele era famoso o suficiente para ser listado na Wikipedia.

Seu comentário sobre ir para a escola missionária foi uma surpresa para mim, mas eu não achei que ele fosse de um lugar tão conservador. Aos 11 anos, ele percebeu tão rapidamente suas necessidades e desejos que queria distorcer o rosto de um ascético professor de teologia, então não se sentia culpado por admitir ser gay e ganhar dinheiro com seu corpo.

Eu desliguei meu telefone imaginando os dias de adolescência de McQueen se rebelando contra tudo que o rodeava. Mesmo assim, não consegui dormir.

Eu só conseguia ver a janela na parede da frente. Assim que abri a janela o som da chuva entrou. Ela ficou um pouco mais fraca durante a noite. A água da chuva batia na janela do quarto escurecido, espalhavam-se e caíam como peixes em água doce. Sentei na cama e observei por um tempo e então levantei.

Sentado no sofá da sala abri a pasta azul. Os dois arquivos eram tão grossos como uma lista telefônica, um foi organizado pelos diretores e o outro pelos títulos.  Entre eles estavam <Laranja Mecânica> de Stanley Kubrick, <De Olhos Bem Fechados> e as obras de Ingmar Bergman que vi no clube de teatro no colégio.

As obras que via com frequência foram sublinhadas com uma caneta azul para garantir que fossem marcadas separadamente, e havia pequenos comentários ao lado delas. Ao lado do título <De Olhos Bem Fechados> estava escrito em letras cursivas, “Cavalheiros. Por favor, senhores…”

Procurei os traços de reflexão que Glenn McQueen pode ter registrado e coloquei o arquivo de volta no lugar.

Estava olhando a lista de filmes e livros, e percebi que o ponteiro das horas do relógio marcava cinco horas. Achei melhor me preparar para voltar para casa, já que havia passado a noite bem. Abri a porta do banheiro, pensando que se deixasse um bilhetinho dizendo que eu estava bem seria suficiente. Estava um tanto relutante em ficar ali até de manhã e encontrá-lo novamente. Mas meu simples desejo não foi atendido.

Assim que apertei a pasta de dente depois de lavar o rosto, ele bateu na porta e entrou.

— Oh, bom dia.

Ele me olhou com uma expressão surpresa e logo me cumprimentou. A parte de trás da sua cabeça estava uma bagunça, talvez porque adormeceu com o cabelo um pouco úmido na noite passada. Quando vi aquilo, ri sem perceber. Ele abriu os olhos o suficiente para franzir a testa, talvez porque meu sorriso fosse inesperado. Então ele olhou para o próprio rosto no espelho e sorriu. Alisou a parte de trás do seu cabelo meio bagunçado e perguntou.

— Você dormiu bem?

Eu fiz contato visual com ele no espelho. Levantei minha mão para escovar meus dentes e balancei a cabeça.

— Sim.

Ele caminhou descalço no chão banheiro, pensei que ele estava saindo. Mas ele parou ao meu lado, espremeu a pasta de dente em sua escova com o rosto ainda sonolento. Eu estava pensando se deveria deixar ele usar o banheiro primeiro ou escovar os dentes juntos. Comecei a escovar os dentes porque achei seria estranho sair assim.

Em um filme, vi amantes escovando os dentes juntos depois de acordar, já que haviam passado a noite fazendo amor. Embora o significado fosse diferente, achei interessante a situação em que nós dois, que havíamos transado no dia anterior, escovávamos os dentes enquanto olhávamos um para o outro. Mas talvez eu fosse o único que estava consciente disso, ele apenas escovou os dentes com os olhos ligeiramente abaixados.

Quando fiquei ao lado dele, a diferença de altura se tornou evidente. Meus olhos estavam na altura de sua mandíbula. Eu pensei que tudo nele era muito grande. Ele cuspiu a espuma que se acumulou em sua boca. Também cuspi. Nós cuspimos a espuma alternadamente, depois enxaguamos apressadamente a boca com água e saímos. ‘Droga, por que meu rosto está corando de novo, a sensação de calor aumentou e eu quase não consigo respirar.’

Entrei no quarto respirando pesadamente e me sentei na beirada da cama.

— Isso está me deixando louco.

Eu percebi enquanto esfregava meu rosto molhado com as mãos secas que não consegui nem enxaguar a boca direito, então havia pasta de dente em volta dos meus lábios. Suspirei de alívio.

Quando saí do quarto, Glenn McQueen, que havia acabado de tomar banho, estava saindo do banheiro sacudindo o cabelo molhado. Fechando seu roupão branco, ele me segurou enquanto eu caminhava pela sala em direção às escadas.

— Você não vai tomar café da manhã?

— O quê?

— Você toma café da manhã?

— Simples.

— Então não vá e espere.

Ele entrou no quarto e imediatamente trocou de roupa e saiu. Usava roupas pretas.  Ele disse olhando para mim enquanto eu estava parado.

— Você não precisa parecer tão desesperado para ir embora, não se preocupe, não vou te prender aqui.

Eu estava apenas com vergonha por ter dormido em sua casa, mas ele parecia ter entendido mal. Sorrindo ironicamente, ele me deu um tapinha no ombro e foi até a cozinha. O mal-entendido nunca seria resolvido se eu não dissesse nada, mas não era como se fosse mudar nada entre nós só porque tivemos um pequeno conflito.

Não creio que ele durma tarde da madrugada e comece o dia com tanta energia, poderia ser apelidado de “Rei da Noite”. Também senti uma sensação de quietude, pois costumava acordar de madrugada.

Sentei-me na cadeira e olhei para as costas de Glenn McQueen. Com um avental branco enrolado na cintura, ele abriu a geladeira e pegou vários ingredientes. Era até um pouco estranho ver um homem tão alto se movendo suavemente e fazendo o café tão habilmente. Seus movimentos e sons eram como ver uma alegre peça musical pela manhã.

Ele colocou um grande prato na mesa e se sentou à minha frente. Na mesa espaçosa onde cabiam quatro pessoas havia uma salada, algumas frutas, fatias de torradas com manteiga e queijo, um prato com bacon e peito de frango grelhado no alho, e um smoothie de mirtilos. Ele deu de ombros e disse enquanto eu o olhava surpreso por causa da variedade de comida.

— Tinha que utilizar os ingredientes rápido antes de viajar, então fiz muito de propósito…  Pode comer.

— Obrigado.

— Pode comer o quanto quiser, não faça cerimônia.

Quando levantei o garfo, pude sentir o olhar de Glenn McQueen seguindo meus dedos enquanto ele cortava sua própria comida.

— Está gostoso?

— Sim.

Peguei o peito de frango com alho assado com o garfo e enfiei na boca, mastiguei e bebi um pouco de água e pensei que deveria dizer algo.

— Você cozinha muito bem.

Enquanto cortava o peito de frango, ele ergueu os olhos e olhou para mim.

— Eu sou bom em tudo.

Ele riu.

— Eu sou bom em tudo, então não há necessidade de ser humilde.

Eu sorri com seu tom sério, não sabia se era uma piada ou estava falando sério.

— Hmm… foi uma piada, mas você pode contar com isso.

Rindo casualmente ele cortou mais um pedaço do frango.

Embora o definisse como uma pessoa difícil e desagradável, a inesperada personalidade que ocasionalmente mostrava o tornava uma pessoa imprevisível. Olhei em seus olhos profundos e perguntei enquanto bebia o smoothie.

— A que horas você vai para o aeroporto?

— Você pode tomar o seu café da manhã com calma e se preparar. Você só tem que pegar suas coisas, então não precisa se apressar.

— É bom que a chuva esteja ficando mais fraca.

— Pois é. Ontem estava chovendo muito e por causa da chuva…

Com essas palavras ele e eu paramos de falar quase ao mesmo tempo. ‘Por causa da chuva, nós…’ Algo fluiu pela minha mente como se estivesse apertando uma esponja úmida. A mão do homem que estava juntando a salada com o garfo se moveu novamente depois de uma longa pausa.

— Jennifer não é uma pessoa tão diligente.

O homem que estava olhando para o nada como se tivesse se lembrado de algo caiu na gargalhada.

— Meu telefone tocou do nada, era ele, me acordou de madrugada dizendo que tinha terminado a edição.

— …

— O upload será feito na quinta-feira.

— …Ah.

Ele continuou enquanto olhava para mim cuspindo uma exclamação sem sentido.

— Na verdade…

Ele resmungou enquanto olhava para a salada que havia coletado.

— Graças a essa situação nós filmamos juntos.

—…

— Foi a minha primeira vez em muito tempo. Eu realmente não me importo com isso… Foi bom. Já faz muito tempo que não me sinto entusiasmado por isso.

Ele disse, partindo o bacon com um garfo. Como se estivesse lendo um manual, sua voz e maneira de falar eram tão calma que eu não conseguia encontrar nenhum vestígio emocional. Fechei meus olhos e silenciosamente mastiguei minha comida e senti o sabor. Ao contrário dele, eu não tinha nada a dizer. Porque foi a minha primeira experiência, então não poderia dizer se gostei ou não gostei.

Não sei como terminei de comer. Ele esvaziou o prato, passou um tempo falando sobre sua programação na Inglaterra e de Janine. A ideia de estar consciente daquelas palavras era tão estúpida, então bloqueei aqueles pensamentos repetidamente.

Enquanto o observava preparando o chá depois do café, me dei conta de que também deveria alimentar meu gato. Eu me pergunto como esqueci disso por um dia inteiro.

— Eu já vou indo.

— Vamos apenas beber isso e aí você vai embora.

— …eu tenho que alimentar meu gato.

— Oh, o gato.

Não sei o que ele pensa sobre o gato que passou fome por um dia inteiro, mas ele concordou com a cabeça enquanto servia o chá. Ele olhou para mim e despejou água quente em apenas um copo, e disse.

— Os sapatos estão na sapateira perto da porta da frente.

— Certo.

Pegando a xícara de chá, McQueen se apoiou na pia. Curvei a cabeça ligeiramente para cumprimentá-lo enquanto bebia lentamente o chá quente e pegava os sapatos que havia colocado na sapateira. Os sapatos Converse, antes molhados, cheiravam a um desodorante aromático, não era mais como o cheiro de chuva. As solas que tocaram meus pés descalços estavam secas e macias.

Eu seria apenas mais um de tantos em sua pornografia. Olhei suavemente para trás, ele ergueu a xícara e sorriu.

— Tome cuidado.

— Tchau.

Em vez de responder, ele acenou com a cabeça e empurrou a porta da frente. Pouco antes de fechar a porta, ele abaixou a cabeça e se virou. Olhei para as costas dele por um momento pela fresta da porta, então fechei a porta silenciosamente.

Assim que saí do prédio, respirei fundo como se estivesse saltando a respiração que estava prendendo debaixo d’água. Como estava prendendo a respiração, quando inspirava o ar úmido, meus pulmões pareciam doer. Enquanto andava, exalei um suspiro seco e áspero. Eu não conseguia entender o motivo de tanta tensão.

A chuva estava um pouco mais fraca do que antes. Chovia tão pouco que nem precisei abrir o guarda-chuva. Fechei os olhos com força enquanto respirava o ar frio da manhã úmida.

No momento em que abri os olhos, pude ver a multidão de pessoas indo para o trabalho, a rua de mão única congestionada e o vapor que subia do bueiro na estrada molhada. Naquele momento, a tensão se desvaneceu e a sensação de realidade veio de repente como se eu tivesse sido golpeado com um martelo nas costas, foi como se tudo o que aconteceu ontem à noite fosse apenas um sonho. O barulho da cidade, que estava superlotada, me trouxe de volta a realidade.

Eu dei um passo olhando para frente. Muito nervoso, e um tanto arrependido, mas não olhei para trás, para o antigo prédio de Brownstone onde Glenn McQueen estava.

A emoção persistente em meu coração era um sentimento que nem mesmo minha mente conseguia entender. Como a esposa de Ló, que escapou das cidades de Sodoma e Gomorra, senti que me tornaria uma estátua de sal no momento em que olhasse para trás, atraído pela emoção insistente.

{Continua no Volume 2.}

N/R Quartz: Eu não sei bem o porquê, mas estou em prantos aqui.