Ler Dragão de Prata: 不道德的修炼之路 – Capítulo 05 Online

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Xuanyin era uma cidade bem grande, cujos limites não podiam ser facilmente observados a olho nu. Sua arquitetura remetia às características da China Imperial, predominando construções de madeira de teto baixo e ruas que se organizavam como um labirinto que levava para o centro, onde provavelmente havia uma praça ou um templo. Na entrada da cidade, uma placa simples indicava os caracteres de seu nome, embora, àquela hora do dia, ela não parecesse nada sombria¹.

Após se dirigirem a um estábulo onde deixaram a égua, caminharam por algumas ruas da periferia, onde era possível notar um certo azedume de sujeira pairando no ar. O esgoto corria em valas abertas naquela área, então, por estar desacostumado com o fedor, precisou manter o nariz tapado durante todo o trajeto.

Naquele momento o nome fez um pouco mais de sentido.

Quando lia histórias ambientadas em civilizações antigas, nunca pensou muito sobre as coisas além do que era narrado nas páginas e dificilmente se falava sobre higiene ou controle de pragas. Na verdade, além de citarem os banhos dos personagens de vez em quando, havia pouca ou nenhuma descrição a respeito disso. Se sentiu um pouco desanimado, pois era algo que o incomodava bastante. Já estava meio enojado por não ter escovado os dentes, não conseguiria ignorar as coisas assim.

— Então esta é a “cidade”? — indagou com um tom abafado e meio irônico, avaliando o cenário com olhar de desgosto. Desviou o olhar quando viu alguns ratos passeando no que seria o meio fio das ruas de chão batido. — É menos impressionante do que imaginei…

— Xuanyin é uma das cidades comerciais mais importantes dessa região, mesmo que não pareça — a voz de Mei Ting era monótona, porém, explicou didaticamente, como se fosse uma guia turística. — Estamos em um bairro mais distante do centro, naturalmente parece descuidado.

— Hum… A que “região” você se refere? — perguntou como quem não quer nada, vendo ali uma oportunidade de se localizar melhor. Tinha uma ideia geral do mapa do continente, mas não perderia nada sabendo mais detalhes.

— Estamos na Costa Leste, a região comercial mais importante de Huanjing. Isso fica a poucos quilômetros dos portos centrais.

Huanjing era o império à leste do continente, ou seja, “Costa Leste” se referia à toda a região portuária do território, que era banhado pelo oceano Da Yu, que fora descrito por “Príncipe Sombrio” como a “Calmaria dos Irmãos”. 

Havia uma lenda que narrava os oceanos Da Yu e Da Yüer como irmãos, filhos da Lua. Os dois tinham personalidades muito diferentes, Da Yu era calmo, sereno e com uma beleza estonteante que desafiava os céus. Da Yüer, no entanto, era perverso e sorrateiro, de fala rude e aparência assustadora.

A deusa Lua abençoou os dois filhos com poderes correspondentes às suas personalidades, armazenando-os em pedras mágicas que foram guardadas dentro de cada um deles, ao lado do coração. Um dia, movido pela ganância, Da Yüer montou uma emboscada para capturar Da Yu e roubar sua benção. Por ser misericordioso e ter um amor sem reservas, Da Yu não lutou contra o irmão e aceitou seu destino. Entristecida com o desfecho trágico de seus filhos, a deusa Lua os transmutou para se tornarem águas que ela poderia manipular e manter sob controle.

Por isso, ás águas do oceano de Da Yu eram tranquilas, translúcidas e quentinhas, com uma fauna rica e abundante. Por outro lado, Da Yüer possuía águas turbulentas e escuras, abismos assustadores e redemoinhos enormes que engoliam embarcações. A única coisa que acalmava a maré era a lua que, quanto mais perto da fase cheia, mais as correntezas de Da Yüer se tornavam “domáveis”.

Jiang Lu adorava essas narrativas e havia decorado quase todas as que existiam na novel, de certo modo, ignorando sua condição atual, começou a se sentir afortunado por ter transmigrado. Ver as coisas que antes só podia imaginar, fazia seu coração se encher de alegria.

— Podemos ir lá? — perguntou tardiamente, olhando simbolicamente na direção que Mei Ting apontou. Daquele ponto, obviamente só era capaz de ver as construções que os rodeavam. — Até os portos, quero dizer. Gostaria de ver o mar, mesmo que de longe.

Da Yu seria tão lindo quanto o que foi mencionado no livro?

Infelizmente, seu desejo foi rapidamente suprimido.

— De forma alguma — Mei Ting sequer titubeou ao respondê-lo. — Já estamos perdendo tempo nessa parada em Xuanyin, não podemos nos desviar ainda mais do nosso caminho original.

— Mas e se-

— Chega de perguntas — interrompeu-o com um olhar cheio de impaciência, que o fez se calar imediatamente. — Ande mais rápido e não se afaste de mim, vou confiar que você não me fará persegui-lo tentando fugir.

Ela acelerou o passo e Jiang Lu se esforçou para acompanhá-la de perto. Conforme se aproximavam do centro da cidade, percebeu que a tentação de fugir pulsava dentro de si. Caso tivesse alguns neurônios a menos, teria tentado escapar quando percebeu a mudança do ambiente ao alcançarem as ruas comerciais.

O movimento de pessoas era grande, provavelmente pela grande quantidade de lojas, restaurantes, pousadas, barracas de comida e tendas de bugigangas, além do movimento intenso de carroças nas ruas. Pareciam existir diversas brechas que possibilitariam sua fuga, só precisaria despistar Mei Ting, se misturar com a multidão e encontrar uma forma de sair da cidade sem ser notado.

Contudo, apesar de não estar sendo diretamente vigiado pelo olhar da mulher, sabia que ela estava atenta a cada um dos seus passos. Interiormente, percebeu que isso era um teste. Lu suou frio, sentindo medo dos próprios pensamentos ao imaginar as consequências terríveis que precisaria enfrentar caso fosse pego tentando escapar.

Não a conhecia muito bem, mas após observar tantas coisas sobre seu caráter, imaginou que Mei Ting seria o tipo de pessoa que o deixaria fugir só para ter justificativa o bastante para puni-lo severamente. Chegando a essa conclusão, manteve o ritmo e permaneceu ao lado dela enquanto caminhavam.

A podridão desapareceu, pelo menos, sendo substituída pelo confronto de aromas de comida, ervas, perfumes e o próprio cheiro das pessoas. Foi um pouco intimidante no começo, estar novamente em um local tão abarrotado, no entanto, preferia encarar tais circunstâncias como oportunidades de observar e aprender. 

Rodeado por pessoas vestindo-se de maneira tradicional e diversa, notou que o hanfu não era tão predominante, na verdade, a maioria das pessoas se vestiam com conjuntos simples de calças ou saias, camisas e casacos. Isso o fez lembrar que o hanfu, mesmo no passado, era um tipo de vestimenta para famílias relativamente abastadas. Quase um marcador econômico e social.

Se sentiu meio burro de repente, por não ter pensado nisso antes. Se Mei Ting trajava roupas de tão alta qualidade, ela não poderia ser comparada com uma pessoa comum. Claro, sabia que era uma artista marcial, mas deveria ter considerado que tipo de artistas marciais Bing Dao e ela seriam. O quão difícil seria tentar fugir de pessoas assim? Não apenas pelo poder, mas pela influência.

Os ombros de Lu caíram com o sentimento de impotência. Sabia muita coisa sobre o mundo, porém nada útil para ajudá-lo a superar seu problema atual.

— Finalmente você chegou — a voz masculina que os cumprimentou ao dobrar uma esquina fez os pelos da nuca do adolescente arrepiarem. Quando ergueu os olhos, Lu se deparou com a expressão severa de Bing Dao. — Estou esperando há horas.

— Garotas precisam de mais tempo para se preparem para o dia — Mei-Jiē retrucou com um tom tranquilo, sorrindo para ele.

Jiang Lu quis muito corrigir dizendo que não era uma garota ao perceber como ela apontava para ele enquanto falava, mas perdeu a vontade de abrir a boca quando sentiu o olhar do homem queimando sobre si. Virou a cara no mesmo instante, cruzando os braços em uma postura defensiva.

— Já consegui tudo que faltava — ele continuou após alguns segundos desconfortáveis de silêncio. — Vamos comprar as roupas do ger, depois do almoço, partiremos.

— Houve algum contratempo na obtenção dos itens?

— Nada que não pudesse ser resolvido com suborno, o Mestre deu instruções muito claras, a negociação foi mais tranquila do que imaginei.

— Estou surpresa. Na última vez, eles só aceitaram a troca após uma longa briga…

— Eles pareciam um pouco abatidos, apesar da atitude arrogante. Há boatos de que eles sofreram uma grande perda na última negociação com Weiqi.

Tsc. Não seria esse um castigo dos deuses para nivelar o karma? Para que paguem todo o prejuízo que nos causaram da última vez!

Ignorando-o completamente, Mei Ting e Bing Dao caminharam lado a lado e, sem saber o que fazer, Lu se limitou a segui-los sem interromper a conversa. Não estava entendendo do que eles estavam falando e conforme o diálogo progredia, se sentia cada vez mais curioso. Pareciam estar envolvidos em algo importante, mencionando negociações perigosas e um “Mestre” que estava acima deles. Eventualmente, por não conseguir juntar as peças, optou por não gastar os neurônios com isso.

Eles o trataram como um mero objeto, não lhe deram atenção e o levaram de um lado para o outro como um cachorro preso na coleira. Nem no momento em que entraram na loja de roupas e o conduziram até a costureira para tirar suas medidas, se dirigiram à ele ou perguntaram sobre seus gostos pessoais. Continuavam interagindo entre si, presos na própria bolha e, embora estar longe do olhar de Bing Dao o deixasse mais tranquilo, havia algo sobre o comportamento de Mei Ting que o deixou perplexo.

Desde que encontraram Bing Dao, ocorreu uma mudança drástica na atitude dela. Quando estavam a sós, Mei Ting estava sempre com aquela expressão falsamente alegre, a perversão presente em seu olhar como uma armadilha. No entanto, enquanto encarava Bing Dao, aquele brilho sádico foi substituído por algo diferente. A voz dela parecia mais suave, sua mão estava constantemente arrumando uma mecha de cabelo imaginária atrás da orelha, e ela fixava o olhar nele como se todo o mundo fosse insignificante.

Por alguns instantes, achou que estava apenas imaginando coisas, colocando sobre os dois uma percepção unicamente sua, que provavelmente não tinha como ser possível, certo?

— Como está o ajuste, meu jovem? Confortável? — Jiang Lu saiu dos próprios pensamentos e encarou a costureira, que o vestiu com um conjunto que seguia suas medidas. Ele não prestou muita atenção nas peças, apenas no fato de que eram exatamente do seu tamanho. Acenou distraidamente para ela, permitindo-a vesti-lo com outros conjuntos.

Sua atenção, no entanto, estava na interação de Mei Ting e Bing Dao, este, que o encarava fixamente com aquele ar erótico que fazia seu estômago revirar. Lu encarou Mei-Jiē ao invés disso, vislumbrando uma mudança significativa no brilho sonhador que ela tinha ao encarar o cultivador ao seu lado.

Mei-Jiē notou que Bing Dao não lhe dava atenção e seguiu a direção que ele estava encarando, chocando-se com o olhar ambíguo do jovem ger.

Jiang Lu virou o rosto para o teto com a cabeça fervilhando e as bochechas ardendo de vergonha, pois ele devia estar enlouquecendo.

Porque só a loucura poderia explicar a existência de ciúmes no olhar que Mei Ting lançou para ele.

 

𖥟

Ao contrário do que foi planejado inicialmente, eles não conseguiram viajar após o almoço devido a uma forte tempestade. Foi tão intensa que era difícil enxergar, além da ventania forte que a acompanhava.

Sem saída, encontraram um restaurante e se abrigaram nele. Comeram ali mesmo, embora Jiang Lu, que ainda se sentia meio mal do estômago, tenha pedido apenas uma sopa de legumes e um chá quente de hortelã para limpar o hálito ruim. Assim como aconteceu mais cedo, a interação deles permaneceu focada na conversa entre Mei Ting e Bing Dao, ignorando a existência do adolescente.

Lu suspirou, resignado, e evitou observar muito para não se envolver ainda mais na relação estranha que eles tinham. À sua frente, Mei Ting tocava distraidamente a cicatriz no pulso de Bing Dao, da mão que ela havia decepado de madrugada. Não sabia como ele conseguiu colocar a mão de volta sem perder os movimentos dos dedos, mas ao se tratar de um artista marcial em um mundo de fantasia, supôs que era justo existir alguma forma de fazer isso acontecer.

Era um pouco perturbador, na verdade, principalmente pela forma carinhosa em que a mulher tocava a cicatriz como se fosse algo genuinamente adorável. Bing Dao, por sua vez, não parecia particularmente afetado por isso — ou talvez fosse muito bom em esconder suas emoções.

— Aparentemente vamos precisar passar a noite na cidade — o homem comentou mais tarde, seu tom se sobrepondo ao barulho do ambiente, uma vez que o restaurante estava lotado. Lá fora, a chuva ainda caía pesadamente. — Viajar durante a noite é problemático e, com essa chuva, é inviável cavalgar.

— As tempestades marítimas são cruéis. Mesmo a quilômetros do porto, atingem essa região com muita força — Mei Ting deslizou o indicador suavemente sobre a borda de sua xícara, olhando ao redor.

— Estamos no final do outono, as tempestades ficarão piores quando o inverno chegar — Bing Dao voltou seu olhar para Jiang Lu e ergueu um dos cantos do lábio. — Mas você não precisa se preocupar com isso, irei esquentá-lo todas as noites.

Jiang Lu se preparou para vomitar na cara dele.

— Deveríamos pensar em sair daqui primeiro — Mei Ting murmurou, sorrindo com diversão. — Você não poderá realizar nenhum dos seus desejos enquanto não finalizarmos essa missão.

— Um homem tem necessidades que não podem esperar.

— Não seja tão vulgar. O Mestre não gostaria de ver tais comportamentos indecorosos.

Bing Dao tensionou a mandíbula com certa irritação.

— O Mestre não está aqui agora, como ele saberia? — ele perguntou em tom mais baixo, sugerindo. — Você não guardaria este segredo para mim?

Mei Ting não o encarou de volta, parecia pensativa, até lançar um olhar para a bola de nervos chamada Jiang Lu. O garoto tinha os olhos arregalados e o nariz torcido com repulsa, como se implorasse para que ela o salvasse de seu destino.

De alguma forma, isso pareceu deixá-la muito satisfeita.

— Concentre-se em manter o foco no que é importante e ignorar as trivialidades, Xiao Dao — ditou em tom inflexível, deixando a xícara meio vazia sobre a mesa. — Vamos procurar uma pousada antes de anoitecer, depois ficará difícil encontrar quartos disponíveis.

Partiram após pagar a conta, desta vez, em completo silêncio. Havia uma certa tensão no ar enquanto se deslocavam pelas calçadas na tentativa de evitar a chuva, mas Jiang Lu não conseguia discernir o porquê. Bing Dao lançava olhares esporádicos para ele, conferindo se ainda os seguia, o que era curioso porque ele não demonstrou tal preocupação mais cedo naquele dia.

Conseguiram encontrar uma hospedagem com rapidez e Mei Ting teve a gentileza de alugar quartos separados para todos. Eles pagaram na recepção e subiram as escadas juntos, mas se separaram no segundo andar. Jiang Lu trancou a porta e começou a se despir, para se livrar das roupas molhadas.

Ao contrário da hospedagem anterior, esta parecia mais bem equipada e tinha um banheiro pequeno com uma banheira e uma pia. Embora não houvesse água encanada, a banheira estava abastecida com água quente, provavelmente preparada enquanto eles faziam o check-in. Ele foi direto para o banho, testou a temperatura da água antes de entrar e se recostou de olhos fechados.

Seu corpo inteiro relaxou da tensão acumulada ao longo do dia e, de certa forma, o barulho da chuva ajudou a acalmar os ânimos. Ao lado da tina, haviam alguns produtos básicos de higiene, então jogou sais de banho na água e fez espuma distraidamente.

Os pensamentos voltaram a correr soltos enquanto refletia sobre tudo que viu e aprendeu recentemente, mas o que mais persistia era a estranheza acerca das ações ambíguas de Mei Ting. Talvez o cérebro do adolescente tenha sido bagunçado por todos os romances que leu e, por isso, estava vendo coisas onde não havia.

Claro, só isso poderia explicar.

Suspirou, o cansaço por passar horas caminhando cobrou bastante do seu corpo, mesmo que sua mente se recusasse a descansar. Estava quase dormindo quando sentiu algo cobrindo sua boca.

Abriu os olhos no mesmo instante e tentou empurrar seja lá o que fosse para longe, mas não teve sucesso. Quando discerniu a imagem de Bing Dao acima de si entre o vapor que subia da água, começou a se debater para tentar se livrar dele. A mão do homem era quase do tamanho do seu rosto e cobriu sua boca de modo que não conseguia gritar. Foi desesperador se mexer como um animal capturado e não sair do lugar.

Sua respiração começou a falhar e o desespero retumbou em seu peito tão fortemente que doeu.

— Fica quieto — o homem sussurrou, o pressionando para baixo. — Eu só quero brincar um pouco, serei rápido.

Nem fodendo!

Se a “brincadeira” envolvia Jiang Lu, certamente não era uma boa coisa. Suas mãos se dirigiram até o rosto dele, que pairava acima do seu, e seus polegares pressionaram os olhos dele com força. Um xingamento escapou dos lábios alheios e por reflexo, ele o soltou. Nos segundos que o artista marcial levou para coçar os olhos na tentativa de afastar a ardência, o adolescente pulou para fora da banheira e correu em direção a porta, que continuava trancada exatamente como havia deixado.

Como diabos ele entrou? Bing Dao também se teleportava?

Antes que pudesse encostar um dedo na maçaneta, foi empurrado pelo ombro e caiu de bruços no chão. Soltou um ruído abafado quando sua testa chocou contra o piso e, atordoado, sentiu como era pressionado para baixo.

Acima de si, Bing Dao colocou uma mão no ombro do garoto para mantê-lo naquela posição e, com a outra, o obrigou a erguer o quadril. Jiang Lu começou a sacudir as pernas e tentar fechá-las, mas o homem se encaixou entre elas e usou sua força para subjugá-lo. Não conseguia lutar contra ele, não conseguia se soltar e, quando tentou gritar, ele bateu em sua cabeça com mais força para mantê-lo “calmo”.

Sentiu-o suspirar perto de sua nuca, lambendo a região de tal maneira que, dessa vez, foi impossível controlar o vômito. Com um arquejo doloroso, Lu vomitou tudo que comeu no almoço, seu corpo inteiro tremeu e lágrimas grossas escorreram de seus olhos. Estava tão assustado que, naquele instante, ficou paralisado, em choque pela consciência do que estava prestes a acontecer, mas se recusou a colocar em palavras.

— M-me solta… — disse com dificuldade, arranhando o piso na tentativa de rastejar para longe dele. Suas unhas sangraram, mas não conseguiu se mexer. — Por favor… Me deixa ir…

Algo duro pressionou as suas coxas e uma risada lasciva encheu seus ouvidos, fazendo as lágrimas se intensificarem. Bing Dao estava sobre ele, o peito pressionando suas costas enquanto a virilha esfregava na parte baixa de seu corpo. Nunca se sentiu tão sujo quanto naquele momento.

— Você tem um gosto tão doce quanto o cheiro — Bing Dao disse isso perto de seu ouvido, em uma voz maníaca e sedenta. — Quero te devorar inteiro.

Jiang Lu chorou copiosamente, tentando gritar, mas tudo que saía de seus lábios eram lamúrias fracas e ofegos lamentosos. Ouviu o farfalhar das roupas dele e imaginou o pior, então fechou os olhos e torceu para que não demorasse muito.

Porra, porra, porra, pora… Filho da puta nojento! Maldito!

Soltou um único grito quando sentiu o membro do homem roçando na sua coxa, um grito lamentoso que o fez cuspir sangue e quase engasgar com a própria vergonha.

Quando isso acabar, eu vou matar você…! Não importa o que aconteça, eu vou…

Como se os deuses tivessem se compadecido de sua miséria, a porta do quarto abriu antes que aquela coisa chegasse perto de sua intimidade. Foi como se o tempo tivesse parado naquele instante, enquanto Bing Dao forçava o garoto a se submeter no chão do quarto, a imagem de Mei Ting se erguia acima deles com uma aura pesada cujas intenções não podiam ser compreendidas.

Ela não disse nada, não precisava. Bing Dao arrumou suas roupas e levantou como se tivesse tomado um banho de água fria, dando dois passos para longe do garoto.

Jiang Lu imediatamente se encolheu em posição fetal enquanto soluçava pelo que acabara de acontecer, ainda nu e coberto pelo próprio vômito. Mei Ting observou a cena com uma expressão vazia de emoções e o homem, por sua vez, não fez menção alguma de explicar ou se justificar.

— Saia — ela disse, impassível, sendo obedecida sem questionamentos. A porta fechou após o artista marcial partir, deixando-os sozinhos.

A mulher abaixou-se e estendeu a mão em direção a Jiang Lu, mas o garoto estava tão assustado que não diferenciava este toque dos que recebera um minuto antes. Resignada, a mulher procurou em sua manga a bolsa onde estavam os pertences que compraram para o garoto e tirou um robe de dentro. Ela pegou um lenço e o molhou na água e, com cuidado para que sua pele não encostasse na dele, limpou-o de todo o vômito que o cobria. Já limpo, o vestiu com o robe e se afastou um pouco, sentando-se ao lado de seu corpo no chão.

Ele não conseguia articular uma palavra sequer, apenas chorava e abraçava aquela peça de roupa com força. Chorou até cansar.

Estava nítido que ele não queria aquilo, o que, para ela, foi uma percepção tardia da besteira que estava fazendo. Nunca conheceu um ger pessoalmente, tinha apenas o conhecimento comum, que dizia que eles estavam sempre dispostos a satisfazer parceiros que os tomassem. Por isso, achou que Jiang Lu se deixaria levar pelo desejo no instante em que Bing Dao procurasse por ele, independente de quão resistente estivesse a princípio.

Contudo, para além dos desejos de seu coração, viu que estava errada ao não desconsiderar qualquer preconceito após interagir com ele. Os rumores estavam errados, Bing Dao estava errado, ela também cometeu um erro terrível.

Enquanto observava o rosto inchado do adolescente, que desmaiou após horas de choro interminável, Mei Ting percebeu que não podia mais suportar essa situação. Ela seguiu um caminho de cultivação justa, com práticas taoístas que prezavam a integridade e a pureza do coração dos artistas marciais, mas ela poderia afirmar que estava agindo com justiça?

Mentindo, enganando, fingindo não ver o que estava diante de si, ela só se arrastou cada vez mais para um buraco sombrio que a distanciava das próprias crenças. Conforme a noite se arrastava, ela puxou suas mangas para cima e encarou as manchas escuras que enfeitavam sua pele, evidenciando os meridianos contaminados.

Uma risada cansada escapou de seus lábios.

— Eu sequer tenho tempo suficiente para isso… — suspirou, encolhendo-se ao abraçar os próprios tornozelos. Ela nunca se sentiu tão vulnerável quanto naquele momento. Vendo, em Jiang Lu, mais de si mesma do que via em sua imagem no espelho. — Talvez esta seja a hora.

A hora de agir de acordo com os meus próprios princípios.

Se Bing Dao podia desconsiderar suas recomendações para fazer o que bem entendesse, ela não hesitaria em fazer o mesmo.

 

𖥟

A brisa estava mais fria naquela noite e a lua, tão vívida, parecia pendurada por uma corda invisível a poucos quilômetros de suas cabeças. Jiang Lu só conseguiu observar o quão bonita ela era.

Quando seus olhos cansados se abriram, contemplou o belo cenário em um silêncio quase melancólico, apertando as mãos em punho, enquanto se concentrava para limpar a mente como uma criança que varreria o próprio quarto e empurraria toda a sujeira para baixo do tapete.

O cheiro suave de flores que vinha de seu corpo era envolvente e reconfortante, como um purificador de ar. Foi estranho sentir seus feromônios outra vez após um dia inteiro se esforçando para escondê-los, mas para quê? Recusando-se a pensar demais, sentou-se e olhou ao redor para se localizar. Obviamente, não estava no quarto da pousada, mas ao ar  livre, mais especificamente no que parecia ser o terraço de uma construção de quatro ou cinco andares. Pelo cenário próximo do bosque, deveria ser nos limites da cidade.

Encontrava-se sobre mantas quentes e macias, mesmo no relento, com o clima úmido após a tempestade que fez a temperatura cair bastante, seu corpo não sentia tais efeitos por estar bem agasalhado com roupas que cheiravam a sândalo. Isso era compreensível, afinal, o tremor que agitava seu corpo não era pelo frio. 

Não se lembrava de que maneira chegou ali, sequer conseguia discernir em suas memórias, um motivo para ser transportado para esse lugar. Contudo, foi capaz de ter alguma luz sobre o assunto quando reconheceu a figura de Mei Ting de pé perto do parapeito, não muito longe de si.

Engolindo em seco para umedecer a garganta, se encolheu visivelmente, ainda sentado, e abraçou os joelhos.

— Para onde você me trouxe dessa vez? — perguntou com a voz arrastada, meio fanha. Sentia seu nariz entupido e rosto inchado de tal maneira, que parecia um novo coração pulsando.

— Achei que você gostaria de sair um pouco — ela respondeu quase imediatamente, mas seu olhar continuou perdido no horizonte. — Você pareceu gostar de paisagens e mesmo que não seja tão bonito quanto o bosque, é melhor do que o quarto da pousada.

Qualquer lugar no mundo seria.

Olhando na mesma direção, Jiang Lu notou pequenos pontos de luz à distância, como pirilampos solitários perdidos no vazio. Se pudesse, teria contemplado tal beleza, mas só podia expressar apatia.

Notando isso, Mei Ting pareceu ficar desconfortável com o silêncio e se apressou em dizer:

— Naquela direção está a cidade portuária mais próxima, Haiji Guan². Não é a mais movimentada por ser uma cidade de pescadores, as grandes navegações atracam em outro lugar mais longe daqui. O único atrativo dela são as pequenas embarcações que vão e voltam de Chaosheng Tai³ todos os dias. Chaosheng Tai é uma cidade flutuante a dez quilômetros da costa, a entrada costuma ser constantemente vigiada, pois nem todas as pessoas estão autorizadas a entrar, mas acho que você conseguiria se tentasse.

Lu piscou lentamente algumas vezes, tentando assimilar as palavras dela e lhe lançou um olhar confuso. Apesar de estar entendendo a informação, não entendia o porquê de ela estar compartilhando isso, como se…

Ah.

Mei Ting o encarava desta vez, suas feições pareciam estranhas, como se uma cortina de névoa os separassem. Era difícil identificar suas expressões independente do quanto apertasse os olhos ao observá-la.

— Você não lembra de ter escorregado e caído?

— O quê? — Jiang Lu disse isso com tom aéreo. Do que ela estava falando?

— Você estava no quarto sozinho, escorregou no banheiro, caiu e bateu a cabeça. Lembra disso? É por isso que está machucado.

Sem conseguir segurar, uma risada afetada escapou de seus lábios.

— Do que você está falando? Isso…

Notou, naquele momento, que Mei Ting parecia estranha porque estava agindo como nunca o fez antes. A expressão sombria, os olhos enviesados, a postura rígida e a voz apagada, acompanhavam os finos traços de lágrimas em suas bochechas.

Ele parou a frase na metade ao notar tal evento, então mordeu o lábio inferior e desviou o olhar. Era doloroso assistir.

— Não foi isso que aconteceu, Mei-Jiē — disse de forma plana e distante, encarando o céu noturno novamente. Seus feromônios pareciam mais cítricos que o normal.

— Eu não quero acreditar… — sua voz soou como um sopro que se perdeu na brisa.

— Mas você precisa.

Eu me recuso a ser o único sofrendo, acrescentou mentalmente, ouvindo o soluço feminino no momento seguinte.

Ele entendia. De alguma maneira, era capaz de compreender o que levou uma mulher tão forte quanto ela a essa situação. Quando identificou certos traços de comportamento dela ao redor daquele maldito, soube que havia algo a mais. Alguns poderiam chamar de paixão, até de amor, mas Jiang Lu sentia que nenhuma dessas palavras descrevia essa conexão de forma correta.

Mei Ting estava obcecada por Bing Dao.

Apenas esse conceito poderia categorizar o relacionamento doentio entre essas duas pessoas perturbadas. Via de maneira clara, após tudo que aconteceu, que era essa a cola que os prendia um ao outro e que os tornava tão iguais. Talvez Mei Ting não tenha sido cúmplice direta nas ações criminosas de Bing Dao, mas definitivamente era culpada por aquiescer para os erros que ele cometia.

Pôde ouvir mais do choro dela, que não era nada composto como seu comportamento íntegro de sempre. De canto de olho, viu o ranho escorrendo e os ombros tremendo, parecia solitária, mas foi incapaz de sentir empatia por ela. Permaneceu dentro da própria bolha, porém, conforme o tempo passava, sentia-se irritado pela tristeza dela. Que direito ela tinha de se sentir assim?

Aquele era um caminho que ela tinha escolhido, ao contrário dele, que sequer teve a chance.

Nesse ponto, ao invés da tristeza desesperadora que esperava sentir, Lu começou a ter raiva. Ódio pelos dois, que deveriam se limitar a apodrecer um ao lado do outro, ao invés de envolvê-lo nessa merda.

— Vocês deveriam ter me deixado naquele cativeiro — sua voz soou alta dessa vez, mas o tom parecia errado. Uma risada irônica perdida nos cantos dos seus lábios. — Era melhor ter morrido de fome do que passar por isso.

— As coisas não foram planejadas dessa maneira — ela retrucou um segundo depois, ainda desnorteada. — Não achei que acabariam assim.

— E achou que seria como? Quando Bing Dao te acusou de ser burra, não considerei ser verdade.

Mei Ting o encarou com olhos injetados, vermelhos, mas seu corpo tremia tanto que sua aura foi drasticamente prejudicada. Ainda era assustadora, é claro, mas Jiang Lu se sentia anestesiado e não hesitou.

— Cala a boca! — gritou, desembainhando a espada.

— Você é patética. Apaixonada por um merda como aquele e, pior, sendo rejeitada — sorriu como apenas um louco faria, jogando o cabelo para trás com dedos trêmulos e suados. — Humilhada desse jeito, você deveria usar essa espada para cortar o próprio pescoço.

A mulher cortou a distância entre os dois até parar acima dele, com a ponta da espada sobre o pescoço do garoto. Seus olhos estavam vermelhos pelo choro e pela raiva.

— Está querendo morrer?!

Sim, porra! — Jiang Lu gritou a plenos pulmões, sentindo uma ardência dolorosa nos olhos e um comichão na boca. A encarou fixamente, expondo ainda mais as clavículas. — Me mate! Me mate, Mei Ting! Me mate porque morrer é melhor do que viver dessa maneira!

Ambos estavam ofegantes, um pronto para matar, o outro pronto para morrer, mas ninguém se mexeu.

O tempo continuou correndo, os astros continuaram se movendo, seus corações ainda estavam batendo e não havia nada entre eles além da dor que, embora fosse por motivos diferentes, foi causada pela mesma pessoa.

Um barulho característico de metal ecoou quando a mulher largou a espada no chão, longe de ambos, apenas um corte pequeno no pescoço alheio era a prova do que tinha acabado de acontecer. Ao ver a gota fina de sangue, se sentiu culpada. Não foi para isso que o levou até ali, como as coisas acabaram assim?

Parecendo atordoada, Mei Ting se afastou de um Jiang Lu choroso, que abraçou os joelhos com mais força enquanto soluçava.

Ela abriu a boca algumas vezes, mas nenhuma palavra saiu. Preferiu esperar ele se acalmar, pois não sabia como ajudá-lo a fazer isso, então se sentou a uma distância segura e o observou como um pai abusivo que assiste o filho traumatizado após uma surra.

— Você lembra como foi sequestrado por aqueles bandidos, Jiang Lu? — Mei Ting usou um tom extremamente suave para fazer essa pergunta. A brisa balançava seu cabelo de maneira elegante e, apesar da quietude, seu rosto parecia coberto por sombras que nem o luar conseguia dissipar.

Jiang Lu não estava interessado em conversar, então, mesmo após ficar mais tranquilo, permaneceu em silêncio. A cultivadora o encarou, esperando, parecendo disposta a ficar ali a noite toda se fosse possível. Cerca de vinte minutos se passaram e o adolescente desistiu, porque lidar com o olhar dela era inquietante demais. Então, apenas afundou o rosto entre os joelhos e desejou poder se enrolar como um ouriço.

— Só lembro de acordar naquele cativeiro, não sei como fui parar lá — sua voz estava abafada e irregular, quase incompreensível. Não imaginou que precisaria falar sobre algo como isso, principalmente nessas circunstâncias. — Eu vim de muito longe daqui, de um país do Além-Mar.

“Além-Mar” era o termo usado para descrever tudo que existia fora do continente Mu em “Príncipe Sombrio”. Considerando que existiam poucas rotas marítimas que conseguiam conectar MuYin a outros continentes, existia pouco ou nenhum conhecimento acerca desses países estrangeiros. Portanto, essa era uma excelente licença poética para inventar qualquer coisa sobre seu local de origem, pois ninguém desconfiaria de nada. De jeito nenhum falaria a verdade.

— Que destino terrível — Mei Ting comentou com certo rancor, embora o ger não parecesse ser o alvo dele. — Ou deveria chamar de “infeliz coincidência”? Afinal, foi por acidente que nossos caminhos se cruzaram.

Isso fez os ouvidos do garoto ficarem atentos.

— Nós estávamos naquela fazenda por outro motivo quando Xiao Dao sentiu seu cheiro — ela continuou, sua voz ficando melancólica. — Ele destruiu todo o casarão até te encontrar, o que foi uma total perda de tempo naquele instante. Tínhamos um alvo, mas ele acabou fugindo por causa desse deslize.

Outra pausa. Ele estava ouvindo, mas se negou a entrar ativamente na conversa.

— Nunca quisemos te salvar — ela completou o pensamento com certo pesar, como se confessasse um enorme pecado. — Gers são raros em nosso continente, ainda mais raros nessas terras, onde o poder espiritual foi reduzido ao ponto de se tornar irrisório. Xiao Dao sempre foi esse tipo de pessoa caprichosa, sabe? Sempre desejando as coisas que apenas pessoas da alta casta possuem. Seu desejo por ser como eles o impede de apreciar o que ele já tem nas mãos.

Havia uma carga de significado nessas palavras que fez um peso invisível pressionar o peito do adolescente, como se uma barreira impedisse que seu raciocínio fosse mais longe do que isso. Ouvir o nome daquele desgraçado era o suficiente para deixá-lo mal e incomodado, por isso, quando ergueu o rosto e deparou-se com a feição contemplativa de Mei Ting, sentiu o quanto tudo isso era ridículo. Ela e esses sentimentos incompreensíveis. Foi como ver uma ilusão muito bem delineada.

— Xiao Dao ficaria triste se te perdesse — Mei Ting se dirigia a ele, mas não parecia estar falando com ele. Lu se concentrou apenas nas palavras que imediatamente o fizerem querer rasgar a própria pele. — Se você sumisse, ele te procuraria incansavelmente. Inclusive, deve estar te procurando agora. Ele é esse tipo de pessoa.

Por não saber como responder sem gritar, preferiu ficar em silêncio. Engoliu em seco e fechou os olhos, rosto voltado para cima, como se a luz da lua fosse capaz de transportá-lo para longe daquele momento, daquela sensação.

Jiang Lu aguentou firme, respirou profundamente algumas vezes e manteve a mente vazia.

— Jiang Lu, me escute — ela chamou, como se implorasse por isso. — Artistas marciais não podem entrar em Chaosheng Tai porque simbolizam uma ameaça à paz e à ordem para os nativos. Você estaria seguro se ficasse lá, Bing Dao não poderia alcançá-lo!

Jiang Lu lhe lançou um olhar descrente, porque sabia que ela tinha outras coisas para dizer e deliberadamente as guardou para si. Mei Ting parecia ser uma mulher cheia de segredos desde o momento em que a viu pela primeira vez e, mesmo naquele momento, a sensação de encarar um abismo não tinha desaparecido. Ainda tinha medo dela, principalmente dela, pois apenas alguém fora do juízo consideraria amar um homem como aquele.

Um toque suave em seu ombro o fez enrijecer.

Foi apenas algo superficial, mas tão repentino, que seu corpo reagiu automaticamente. Mei Ting, que lembrou de sua recente aversão a toques, se afastou rapidamente ao notar o erro cometido, como se tivesse tocado em algo quente. 

Nenhum dos dois comentou nada sobre isso.

— Você parece muito comigo, Jiang Lu — disse um pouco depois, insistindo no monólogo. — Tanto que me assusta.

Você está enganada, pensou, contendo a vontade de retrucar. Se fosse eu no seu lugar, não teria arrancado só a mão. Eu o despedaçaria pedaço por pedaço e o reconstruiria apenas para fazer isso novamente.

Com a ausência de resposta, ela coçou a nuca e começou a andar de volta para perto do parapeito.

— “O bem traz boa recompensa, o mal traz más consequências⁴” – quase cantarolou. — Já tenho karma o suficiente para três vidas, não posso carregar mais, você entende?

— Não entendo — Lu respondeu finalmente, meio ríspido. — Se você não me disser claramente, eu nunca irei entender.

— Um dia, talvez, você entenda porque fiz tudo isso. Mesmo que não seja hoje, sei que esse momento vai chegar. Até lá, espero que você possa me perdoar — ela puxou duas bolsas das mangas e jogou no peito alheio, logo após, subiu no parapeito e estendeu a mão, chamando sua espada de volta através do movimento. — Aí estão suas roupas, itens pessoais e um pouco de dinheiro. Creio que seja suficiente por enquanto, então evite cruzar meu caminho ou minha única opção será matá-lo.

Enquanto encarava as bolsas no chão, Lu sorriu amargamente.

— Você não consegue fazer nada sem ameaçar as pessoas?

Mei Ting balançou a cabeça suavemente, as roupas farfalhando com a brisa.

— Pessoas como eu só conseguem manejar as coisas assim — embainhou a espada sem fazer ruído.

— “Pessoas como você”?

— Isso mesmo, Jiang Lu. Pessoas como eu.

— Como?

— Covardes…

Antes que ele pudesse reagir, o vento se agitou ao seu redor e o cenário de outrora foi rapidamente substituído por um totalmente novo. Desta vez, foi teleportado sozinho para uma planalto acima de uma cidade pequena à beira mar, ainda sentado sobre os cobertores, viu-se sob um pé de ameixa em plena floração. De cima, conseguiu vislumbrar as águas oceânicas a alguns quilômetros de sua posição, se estendendo até onde os olhos podiam ver e misturando-se à cor do céu no horizonte. 

A paisagem era linda, mas não havia nada nele que estivesse minimamente interessado em apreciá-la.

Sequer podia sentir alguma felicidade por ter sido liberto, porque sabia que os motivos que levaram Mei Ting a enviá-lo para longe eram totalmente egoístas e não tinha nada a ver com ele. Provavelmente, ela não sentiria culpa ou remorso genuínos nem se colocasse muito esforço nisso.

No entanto, as motivações não importavam se o resultado era o mesmo. 

Então, na esperança de se livrar do peso que havia sobre si,  assim que se percebeu sozinho, limitou-se a vomitar o que ainda havia em seu estômago após a tensão se dissipar, regulando a respiração ofegante enquanto respirar era difícil.

O terror imobilizante que enfrentou naquele quarto ainda estava fresco em sua memória como sangue recém derramado, vívidas como um fantasma se enroscando nos seus ossos e pressionando seu estômago para fora do corpo. Os toques vertiginosos de Bing Dao seriam cicatrizes que nunca desapareceriam. Nem o feitiço mais poderoso poderia fazê-lo esquecer, nem as mentiras mais bem contadas conseguiriam dissipar.

Para além do terror e da vergonha, da angústia e do medo, sentiu um forte sentimento de vingança borbulhando dentro de si. Sabia que era fraco, estava plenamente consciente da própria limitação física, mas se havia uma certeza em seu coração, era de que, se tivesse a chance, vingaria sua própria honra no futuro.

Naquela noite, no entanto, ele apenas sentou e chorou por tudo que lhe foi tirado. Encostado em uma ameixeira, com a lua como testemunha de sua mais profunda vergonha, Jiang Lu liberou um aroma cítrico da melancolia, com a acidez do desamparo. Foi um aroma suave, mas profundo.

A fragância da inocência que havia perdido.


[1] “Xuanyin” — os caracteres “玄陰” significam “Sombras Profundas”.

[2] “Haiji Guan” — Hǎijì Guān (海寂关), significa “Forte da quietude marinha”.

[3] “Chaosheng Tai” — Cháoshēng Tái (潮声台), significa “Terraço do som das marés”.

[4] 善有善报,恶有恶报 (Shàn yǒu shàn bào, è yǒu è bào).

Ler Dragão de Prata: 不道德的修炼之路 Yaoi Mangá Online

Jiang Lu era um garoto como qualquer outro, nascido em berço de ouro, nunca experienciou os labores da vida. Então, ao acordar em um mundo totalmente diferente do seu numa manhã inexplicável, perguntou-se que tipo de deus, cruel e sanguinário, o colocaria em tamanha desvantagem.
Poderia alguém como ele, jovem e inexperiente, sobreviver aos desafios desse universo impiedoso?

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