Ler Dragão de Prata: 不道德的修炼之路 – Capítulo 04 Online

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Quando seus pés tocaram o chão, Jiang Lu sentiu uma vertigem que quase o fez cair de cara. Quando iria se acostumar a todas as estranhezas desse mundo?

No mundo moderno, apesar de toda a tecnologia, de haverem trens-bala, helicópteros e foguetes, não existia nada nem remotamente próximo da sensação de ser teletransportado de um lugar para o outro.

Era desconcertante.

A sensação de vertigem foi horrível, além do choque inicial e dificuldade para assimilar o que acabara de acontecer. Assim como tudo nesse mundo.

— Fecha os olhos e respira fundo — uma voz suave soou ao seu lado. — É estranho nas primeiras vezes, daqui a pouco o enjôo passa.

Ao levantar o rosto, encarou a expressão inquietantemente tranquila de Mei Ting.

— Isso não é engraçado…

Ela, que estava sorrindo, soltou uma risadinha melodiosa.

— Estranho você dizer isso, pois estou me divertindo bastante.

Jiang Lu deu dois passos para longe dela, mas ao receber um olhar enviesado por baixo da franja elegante da mulher, não ousou se afastar mais do que isso. Sentia um arrepio de medo inconsciente, como se seu sexto sentido o alertasse de que algo estava prestes a acontecer. Olhando assim, nada parecia fora do lugar, mas por ser muito observador, sentia que algo nela ameaçava tudo dentro dele.

Seu olhar passeou ao redor nervosamente, deparando-se com os contornos de árvores, grama e um riacho a alguns metros de distância. O luar era revelador, o suficiente para evidenciar sua expressão fascinada diante de um cenário tão onírico. Pirilampos enfeitavam o ar entre eles, tornando tudo ainda mais surreal.

As folhas de algumas árvores tinham cores arroxeadas que se destacavam na escuridão e as águas do riacho cascateavam sob o reflexo indistinto da lua acima deles.

— É bonito, né? — ela comentou, movendo-se graciosamente até uma planta semelhante a um dente de leão, mas que cintilava na meia-luz. — Antes de me tornar uma artista marcial, lugares como esse eram os meus favoritos.

O garoto suspirou, andando por ali até a beira do riacho. Abaixou-se perto da água e se assustou ao notar seu reflexo nela, tão claramente que parecia um espelho. Isso deveria ser possível?

— Nunca vi nada assim — Lu murmurou, batendo sobre a água até que seu reflexo se tornasse uma imagem bagunçada. Não queria olhar para sua versão mais deprimente. — A natureza é bonita, mas aqui parece mais…

A frase ficou incompleta enquanto pensava um pouco mais sobre isso. Como um pintor, Lu sempre observou a natureza em busca de inspiração e existiam muitas belas paisagens para serem retratadas. No entanto, até o recorte mais simplório desse mundo podia deixá-lo sem palavras.

Era uma experiência única.

Se pudesse, pintaria este momento.

— Você realmente não é daqui, huh? — a voz dela soou extremamente próxima ao seu ouvido, assustando-o ao ponto de fazê-lo gritar.

Ele se desequilibrou e por estar perto da água, caiu dentro dela enquanto a risada da mulher voltava a ressoar.

Como diabos alguém conseguia ser tão silencioso?!

— Bom, você estava mesmo precisando de um banho de qualquer maneira. Apenas acelerou o processo — ainda sorrindo, ela sentou em uma rocha por perto enquanto observava a figura lamentável do menino. — Não se envergonhe, vou apenas me certificar de que você não fuja ou tente se afogar. Seria péssimo se você se machucasse.

Piscando algumas vezes, Jiang Lu tentou assimilar o significado por trás dessas palavras. Ela queria que ele tomasse banho na frente dela…?

— Tente não demorar muito — ela colocou o indicador na frente do nariz e o coçou um pouquinho. — Seus feromônios estão começando a me irritar. Não me obrigue a arrancá-los de você, tá bom?

— Oh…

Estarrecido, entrou cada vez mais fundo na água para se esconder, o máximo possível, daquele par de olhos analíticos. Sentia-se como um ratinho sob o escrutínio de um cientista. Ele mergulhou quando sentiu a temperatura de seu corpo regulada, meio morna, e após dias sem se banhar, foi como se livrar de uma capa pesada de sujeira.

Se tivesse um shampoo pelo menos…

Suspirou, reticente. Sempre foi muito metódico com suas rotinas de autocuidado, do tipo que fazia assinaturas em linhas de skincare e verificava atentamente se a marca fazia testes com animais. Lavar-se apenas com água não seria satisfatório nem que passasse o dia inteiro lá dentro.

Com 90% do corpo submerso, apenas com os olhos para fora da água, ponderou se valia a pena perguntar se ela tinha ao menos um sabonete escondido por ali. 

Consciente do olhar sobre si — e surpreendendo Jiang Lu —, Mei Ting apresentou uma expressão sabida, como se lesse seus pensamentos.

— Eu tenho alguns sais de banho que você pode usar — ela enfiou a mão dentro de uma das mangas do robe e tirou uma bolsinha de cordão. — Esses você também pode usar no cabelo.

Ela estendeu a bolsinha para ele, mas o garoto estava desconfiado demais para se aproximar. Seu camisolão era branco e, molhado, deveria estar transparente. Não estava nem um pouco interessado em ficar pelado na frente dela.

— Que garoto arredio — ela suspirou, deixando a bolsinha na margem. — Vou estar por perto, qualquer coisa grite. E por favor, não tente fugir. Não quero arrancar seus pés.

Com um movimento elegante de suas mangas, caminhou para perto da linha das árvores, distraidamente colhendo flores. Com pressa, Lu foi até a margem e se sentou atrás da rocha onde outrora ela sentara, na esperança de preservar ao menos um pouquinho de dignidade. Meio desconfiado, de vez em quando olhava para trás para ter certeza de que ela não havia se aproximado do nada novamente.

Para sua surpresa, ao enfiar a mão dentro da bolsa, que era menor que um punho, percebeu o interior assustadoramente amplo. Alcançou dois potes com sais de banho, não conseguia ler o que estava escrito na embalagem simples, mas pelo cheiro, um era de maracujá e o outro, de azaléia.

Procurando mais um pouco, tirou outros produtos, empolgado com a variedade de itens que saíam dali, até finalmente achar dois que pareciam ser shampoo e condicionador — ou algo parecido com isso. Com mais empenho, achou um pente feito de osso e não sabia se torcia para ser de animal ou se torcia para ser de um humano, porque animais não mereciam sofrer assim.

— É só não pensar muito — disse para si mesmo e começou a se lavar mais profundamente. Pouco a pouco, foi se sentindo melhor, até menos estressado.

Livrou-se do camisolão que estava vestindo e foi nadar um pouco após acabar o banho. 

Como esperado, não dava para ver muito debaixo d’água, mas havia pequenos peixes nas extremidades e a correnteza ficava mais forte perto da parte mais profunda. Ele ficou tanto tempo distraído, que não percebeu Mei Ting o chamando da margem.

— Isso foi o suficiente, vamos embora agora — ela olhou para o céu, como se através da posição da lua calculasse as horas. — Preciso te devolver.

Jiang Lu deu um sorriso amargo, sentindo-se objetificado novamente.

— Não tenho o que vestir — disse em tom ameno. Não queria ir embora, porque voltar significava reencontrar aquele cara ou pior… Abriu a boca, mas a fechou. Era uma péssima ideia pedir para ser deixado ali.

— Oh — ela disse simplesmente. Enfiou as mãos nas mangas e puxou mais coisas dali. Ela carregava um guarda roupa dentro daquele robe? — Apesar de eu ser mais alta que você, temos uma estrutura parecida. Isso deve servir. Vista-se, precisamos ir antes que Xiao Dao nos encontre.

Jiang Lu não discutiu, apenas esperou ela lhe dar as costas antes de ir até os itens que ela deixou em cima da rocha. Já tinha vestido hanfu nos festivais de meio outono¹, então estava relativamente familiarizado com a vestimenta. Enxugou-se como podia e se vestiu com pressa, enfrentando um pouco de dificuldade para ajustar a roupa em sua cintura. Como ela sugeriu, precisou dobrar a barra da calça para ajustar o comprimento, mas o robe ficou bem confortável.

Era um conjunto inteiramente na cor branca, o tecido era macio e confortável, além de ter um revestimento que o tornava próprio para climas mais frios. Em circunstâncias melhores, teria sido grato até a morte pela amabilidade dela, mas ao lembrar de quem ela era, a gratidão foi afastada com um tapa.

— Deixe-me ver — Mei Ting se aproximou rapidamente quando ele caminhou até ela. Cheirando ao redor como um cachorro que fareja aromas desconhecidos, analisou algo por alguns instantes antes de deixá-lo ir. — Os feromônios sumiram.

Lu apertou o robe contra o peito protetoramente.

— Você está falando sobre feromônios, mas não senti nada.

— Não sentiu? Flores de ameixeira ou algo muito parecido com isso.

Uma luz se acendeu acima de sua cabeça.

— Achei que esse cheiro vinha de você…

Ela o encarou com o cenho franzido.

— Eu trabalho matando pessoas, não posso deixar cheiro no ar — ela fez um barulho cômico estalando a língua no céu da boca, como se educasse uma criança pequena.

— Mas os sais de banho…

— Meu suor neutraliza o cheiro — suspira, revirando os olhos. — Ser um cultivador é tudo de bom até o momento que você quer usar um perfume e não consegue. Mas eu não desisto de tentar.

Ela o encarou de cima a baixo de repente, suas pálpebras semicerradas.

— Nunca achei que eu teria inveja de um ger — ela pronunciou a palavra como se fosse um xingamento. Era bem desagradável. — Antes de irmos, a propósito, gostaria de te pedir algumas coisas. Primeiro.

Jiang Lu controlou a carranca prestes a se formar, assistindo-a levantar o dedo indicador entre eles. A unha pintada de vermelho chamou sua atenção.

— Não cause mais alvoroço, é péssimo quando chamamos atenção. Segundo — ergueu o segundo dedo, apontando entre seus olhos e o rosto do garoto. — Estou sempre de olho em você, então é melhor se comportar para evitar acidentes. Xiao Dao é apenas um rapaz que precisa aprender muitas coisas, não é bom estressá-lo, entende? E por último!

Quando ela levantou o terceiro dedo, Jiang Lu já tinha calculado o quão fundo precisava cavar para enterrar a si mesmo.

— Não libere esses feromônios novamente, é irritante.

Após pontuar tudo, ela parecia bastante satisfeita. Se aproximou com uma postura graciosa e um sorriso gentil, mas quando ela tocou o rosto dele, um arrepio terrível fez Lu arregalar os olhos e congelar no lugar. Encarou-a nos olhos e ela parecia… Sombria. As pupilas estavam dilatadas, como se algo aterrador nadasse ali dentro.

— Acho que você não entende porque inteligência não é uma característica da sua espécie, mas espero que se esforce um pouquinho. Se me provocar, eu te mato. Se fizer algo errado, eu arranco suas pernas. Se for desrespeitoso, eu corto sua língua — ela sorria lindamente, os dedos esguios penteando o cabelo úmido do garoto como uma leoa acariciando o filhote desobediente. — Você é bonitinho como um bolinho, nada me impede de morder forte o suficiente para tirar um pedaço.

Ela deu uma mordida no ar, fazendo Jiang Lu pular para trás. O ato a fez gargalhar.

— O passeio acabou — Mei Ting deu uma piscadela e o segurou pelo braço, logo, teleportou os dois de volta para o hostel. Estavam em um dos quartos, mais especificamente no quarto que Jiang Lu acordara. O reconheceu ao ver o pote de biscoitos vazio na mesa de chá, mas o que realmente prendeu sua atenção, foi o homem parado ao lado da cama em posição de guarda.

Mei Ting congelou ao lado de Jiang Lu quando o viu, apesar da reação de cada um ter motivações diferentes.

Bing Dao estava ereto, com os braços cruzados e a espada presa firmemente à cintura. Sua expressão era séria, tão séria que dava a sensação de que todas as linhas de expressão estavam em uso. Não era preciso ser um gênio para perceber o quão irritado ele estava.

— Xiao Dao — Mei-Jiē disse em tom gentil, embora já não estivesse sorrindo. — Levei o jovem Jiang para tomar um banho e espairecer. Vocês pareciam muito… er… agitados.

— Com a autorização de quem? — ele retrucou com a voz grave e profunda. Lu assistiu como ela ficou tensa no mesmo instante.

— Não seja assim, Xiao Dao — ela continuou tentando apaziguar, embora uma de suas mãos estivesse tremendo. — Só estava tentando ajudar.

— Ele é meu, você não entendeu? Sou eu quem decido. Quantas vezes mais falaremos sobre isso?

Jiang Lu se sentiu como se fosse parte da decoração. Eles estavam conversando como se o protagonista da intriga não estivesse bem ali, entre eles. Por um lado, era melhor assim, pois não tinha força o suficiente para sustentar um confronto direto com Bing Dao sem estar com as veias injetadas de adrenalina e muito ódio. Então, aceitou seu papel de observador passivo e ponderou se deveria ou não puxar uma cadeira para se sentar.

— Acho que houve um mal entendido nesse ponto — Mei Ting continuou, inclinando a cabeça para o lado. — Nós somos uma dupla, fazemos tudo juntos, por que isso seria diferente?

— Você é burra?

— Ha ha.

Mei Ting riu, incrédula. Ela parou, olhou para ele, riu de novo.

Jiang Lu, que não era bobo, deu dois passos silenciosos para longe.

— Vou te dar uma chance — Mei-Jiē arrumou o cabelo, colocou uma mecha atrás da orelha e voltou a encará-lo. — Refaça sua pergunta.

Bing Dao parecia ter pouco ou nenhum senso de sobrevivência, talvez fosse o ódio falando mais alto ou a vergonha de ter perdido Jiang Lu tão fácil e rápido após capturá-lo. Independente do motivo que o levou a proferir aquelas palavras, naquele momento, ele se certificou de ser o pivô do maior aprendizado que Lu poderia ter após transmigrar.

— Perguntei se você é estúpida, Mei-Jiē — seu tom irônico ao pronunciar o nome dela foi a cereja do bolo. Porque, no instante em que ele fechou a boca, o clima imediatamente mudou.

Foi surreal assistir isso de fora, como se fosse a cena de um filme muito bem elaborado. O mundo ficou mudo por alguns instantes, o ar parecia se mover mais devagar, como se tivesse ficado rarefeito, e se tornou difícil respirar. Uma pressão invisível caiu sobre seus ombros, Lu aos pouquinhos foi se abaixando até cair de joelhos no chão, apoiado sobre as mãos. Ofegou, sua cabeça doía, mas se recusou a desviar o olhar.

Do outro lado do quarto, Mei Ting tinha um brilho vermelho nos olhos vítreos, a mão esquerda estendida e sua espada pairando no ar a frente de seu rosto. Bing Dao permanecia de pé, mas toda a marra de alguns segundos atrás havia desaparecido. A mão dele se moveu em direção ao cabo da espada por um milímetro e isso foi o suficiente para que a mulher se movesse.

Foi o tempo do bater de asas de um beija-flor. Em um momento ela estava parada em posição de ataque, no outro, seu corpo apareceu acima da figura caída de Bing Dao, que gemeu de dor para o corte horrível em seu pulso. Lu olhou atentamente para o ferimento, desacreditado ao perceber que a mão dele estava a meio metro de distância do resto do corpo. Um rastro de sangue conectava o pulso da mão decepada, líquido jorrando da artéria como uma fonte. Era tanto que não parecia de verdade. E o cheiro…

O quarto ficou cheio do odor férreo de sangue.

Mei Ting ficou de cócoras e sua mão, ainda trêmula, acariciou o rosto dele.

— Acho que ouvi errado, Xiao Dao — ela sussurrou, sorrindo. Um sorriso que nem o melhor artista plástico conseguiria reproduzir. Era um traço maligno e malicioso, doentio. — O que você disse?

— Eu… — ele parecia perplexo, provavelmente nem ele esperava que algo assim aconteceria. — Nada…

— Oh… Nada?

— Mei-Jiē está certa — Jiang Lu nunca imaginou que aquele homem conseguiria usar um tom manso e suave, pois para alguém como ele, essas duas palavras não pareciam fazer parte de seu vocabulário. — Eu estava enganado. Certamente somos uma dupla.

Desta vez, o rosto dela demonstrou tranquilidade. Ela se curvou sobre ele e, com a suavidade de um lince farejando uma lebre, beijou a testa dele.

— Você é um garoto muito bom, Bing Dao. Nunca me decepciona, ?

Ela se afastou e pegou a mão dele do chão, jogando sobre seu peito em um baque surdo e úmido, manchando o robe alheio de sangue.

— Aqui, desculpa pelo mal entendido.

Bing Dao estremeceu, mas nada disse, apenas acenou positivamente para ela.

Mei Ting o observou com carinho, ficou ali um pouquinho, ninguém se mexia. Quando pareceu ficar satisfeita, girou nos calcanhares e se dirigiu até a porta, acenando para Jiang Lu antes de sair.

Demorou bastante para Lu conseguir ficar de pé novamente e, quando finalmente conseguiu, ainda com os joelhos fracos, notou que Bing Dao também tinha saído, restando apenas uma mancha de sangue no chão como prova do que acabou de acontecer.

Quase se arrastou até a cama e se jogou sobre ela, tentando montar os pedaços da sua sanidade como se fosse um quebra-cabeças complicado. No fim, apenas uma coisa estava clara em sua mente, uma pergunta:

Mas que caralhos…?

𖥟

“A arrogância mancha o coração puro”, esta frase ficou girando sobre a cabeça de Jiang Lu pelas horas que se arrastaram até o amanhecer. Obviamente, após os eventos recentes, não conseguiu dormir mais a despeito de todo o cansaço que sentia. Para se ocupar, limpou o sangue do chão do quarto até que o cheiro sumisse, pois estava embrulhando seu estômago.

Nunca, em todos os seus dezessete anos e dez meses de vida, imaginou que passaria por algo assim.

Entre ser sequestrado, mantido em cativeiro, drogado, assediado e testemunhar uma tentativa de assassinato, zerou todas as experiências que um noob² precisaria experimentar antes de começar a aventura de verdade. Se é que isso seria possível.

Deitado na cama da hospedagem enquanto encarava o teto, assistiu o sol nascer através da sombra projetada pela janela. Estava assimilando cada informação nova para organizá-las em sua cabeça, ainda desacreditado de que havia, de fato, transmigrado para um mundo de fantasia medieval. Ele, herdeiro da terceira geração da exitosa família Jiang, nunca enfrentou muitas dificuldades.

Nunca esteve alheio aos próprios privilégios, mas mentiria se dissesse que sabia o que fazer em situações tão desvantajosas quanto essa. Foi criado com zelo, como um artista, cujas mãos trabalhavam apenas para pintar e arriscar algumas notas no piano, não para empunhar uma espada.

Suspirou, cobrindo os olhos com um braço.

— Que saudade da minha mãe… — sua voz soou derrotada, acompanhada de uma risada deprimida. — Espero que, pelo menos, LiXiao tenha me perdoado.

Lembrar de sua família fez seu coração apertar, então afastou os pensamentos antes que o ardor em suas pálpebras se transformasse em lágrimas. Da mesma forma que não sabia como foi parar nesse mundo, não sabia como voltar, então ao menos por enquanto, precisava aceitar essa nova realidade e se adaptar a ela.

Começou a repassar em sua mente tudo que sabia sobre o enredo de “Príncipe Sombrio”, na tentativa de encontrar qualquer informação útil. Lembrava-se sobre a descrição pobre dos gers, mas como só foi feita uma menção sobre essa espécie e não a apresentação de um personagem com tais características, se sentia no escuro. Já estava consciente sobre a liberação dos feromônios e, a julgar pelo comportamento estranho das pessoas na cozinha durante seu surto, podia entender o impacto que eles causavam.

Aparentemente, o aroma não era apenas afrodisíaco, mas hipnótico (?). Estava na dúvida se entendeu corretamente, mas parecia ter deixado Bing Dao e as outras pessoas em estado de transe. Havia uma forma de controlar a liberação de acordo com as palavras (ameaças) de Mei Ting, então haveria um meio de controlar o efeito sobre aqueles que foram influenciados?

Olhando dessa perspectiva, não parecia tão inútil quanto a história fizera parecer. Na verdade, fazia muito mais sentido que os gers fossem tão cobiçados, pois além da beleza, podiam ser uma grande ameaça. Se um adolescente como ele pôde expandir um raio de “hipnose” capaz de influenciar homens, mulheres e um artista marcial como Bing Dao, o que um ger maduro e treinado seria capaz de fazer com um pouco de perfume e um sorriso?

Começou a fazer testes sobre o controle de seus próprios feromônios, sentindo como o cheiro de antes flutuava ao seu redor. Realmente parecia algo como as flores da ameixeira, mas carregava um toque cítrico e amadeirado, como uma fragrância que seria descrita como “atraente e misteriosa” nos tempos modernos.

Percebeu que conseguia aumentar a intensidade da liberação, o que afetava também o próprio aroma, às vezes mais doce ou mais cítrico, mais denso ou suave. Não conseguiu reduzir a liberação para zero, mas deixou fraco o suficiente para parecer como alguém que passou muita colônia pós-banho.

Ficou um pouco curioso, considerando se poderiam ter acontecido outras mudanças em seu corpo após a transmigração. Como os gers podiam engravidar, Jiang Lu pensou que algo nos seus genitais podia ter mudado, mas durante o banho, viu que estava tudo no lugar. Colocou a mão sobre a parte inferior da barriga, onde o útero feminino ficava, e ponderou se tinha ganhado um ou se o sistema reprodutivo dos gers era diferente. Eles não eram totalmente humanos, afinal.

— Vou fazer uma pesquisa sobre isso quando tiver a chance — comentou para o vazio, mas franziu o cenho ao lembrar que não conseguia ler os caracteres que rotulavam os produtos que Mei Ting lhe emprestou na hora do banho. — Porra! Esqueci esse detalhe.

Em outras histórias, o leitor sempre transmigrava com a habilidade de se adaptar facilmente aos idiomas do mundo, porém ele não conseguia ler nada!

— Espera aí! — sentou-se num rompante, cruzou os braços e apoiou o queixo em uma das mãos, pensativo. — Não consigo ler, mas consigo falar e também entender tudo que os outros dizem. Será que esse seria o limite do bônus do enredo?

Encarando a si mesmo, lembrou que a base principal desse universo era a cultivação espiritual para se tornar um artista marcial, no entanto, ao comparar-se com Bing Dao e Mei Ting, duvidava que fosse chegar remotamente perto do poder que eles tinham. Por isso, deveria começar a pensar em outras formas de se virar. Se não podia recorrer à força, usaria outros atributos.

Uma batida na porta interrompeu seus pensamentos.

— Xiao Jiang, está pronto para partir? — A voz de Mei Ting veio do outro lado, serena como sempre.

Por reflexo, sentiu o característico arrepio de medo na coluna. Flashes do que ocorrera no dia anterior piscaram atrás de suas pálpebras, contudo, apenas respirou fundo e engoliu o desconforto. Se não pudesse lidar com isso, não conseguiria sobreviver sozinho no futuro.

Caminhou até a porta após alinhar as roupas e estava sorrindo educadamente ao abri-la.

— Estou pronto, Mei-Jiē. Para onde vamos?

A mulher havia trocado de roupa e trajava um conjunto de cor rosa escuro com detalhes arroxeados, seu robe era comprido e elegante, e seus cabelos estavam trançados sobre o ombro direito, enfeitados por pequenos grampos em forma de flores.

Notando seu olhar sobre os enfeites de cabelo, Mei-Jiē deu um sorriso amável.

— Estamos indo para a cidade, precisamos repor alguns mantimentos para a viagem e como você não tem itens pessoais, compraremos roupas, sapatos e coisas assim. Se sairmos agora, chegaremos na cidade na hora do almoço.

— Oh, tudo bem. Não irei mais atrasá-los, Mei-Jiē!

Eles caminharam lado a lado pelos corredores do hostel, parecia bem mais movimentado agora, o fluxo de pessoas era intenso. Ao descerem as escadas, notou todo o barulho de conversas altas. Grupos bem mistos de pessoas se dispunham pelas mesas do saguão, a maioria trajando roupas escuras, capuz ou robes intimidades, além de muitos terem armas brancas presas ao corpo. O cheiro de álcool e suor permeava o ar como uma nuvem de fumaça.

Notou os olhares sobre eles novamente, mas ao contrário de antes, um simples olhar de Mei Ting para os curiosos fez cada um deles se concentrarem nos próprios assuntos.

— Não preste atenção nesses rufiões — ela comentou em um tom esnobe, com o queixo erguido e o nariz empinado com desgosto. — Devem estar curiosos sobre você.

— E eu tentando esconder o cheiro com tanto empenho… — sussurrou com tristeza.

— Desta vez não é sobre os feromônios, mas sobre seu cabelo — como se para deixar isso claro, ela tocou suavemente as pontas dos fios ondulados, que roçavam os ombros do garoto em camadas bagunçadas. — Vestido com as roupas tradicionais da Dinastia Rou e com esse corte de cabelo, as pessoas podem tirar conclusões.

— Como assim? Desculpa perguntar sobre isso, Mei-Jiē. Tem muitas coisas que são desconhecidas para mim.

— Entendo que pessoas da sua espécie não costumam ter educação formal, então posso tirar suas dúvidas — apesar da humilhação de suas palavras, Jiang Lu forçou um sorriso agradecido. — A “Dinastia Rou” dominou o território que hoje se chama Lixue, no norte do continente, e grande parte de Huanjing, que fica ao leste. A família imperial Rou chegou no continente MuYin³ nas primeiras grandes navegações que vieram do Além-Mar, ainda no Ano Terceiro, e se estabeleceram facilmente. Eles dominaram da fundação até o quadragésimo ano do Segundo Milênio. Mesmo após sua segregação, seus costumes ainda se mantiveram vivos, como nas vestimentas, folclore, datas comemorativas e afins.

Jiang Lu estava bem familiarizado com essas características históricas do continente. O Continente Mu, ou MuYin, era considerado apenas uma ilha isolada onde feras mágicas viviam, longe dos humanos. Eventualmente, os humanos decidiram povoar essas terras e enviaram embarcações com esse intuito, mas nem todas conseguiram chegar ao destino. 

O calendário usado na atualidade tomava como base o ano da chegada da primeira navegação como “Ano Primeiro”, depois a contagem se seguia dessa maneira: Ano Segundo, Ano Terceiro, Ano Quarto…. Ele achava muito interessante, também, a forma como eles descreviam o ano seguido do milênio ao qual pertenciam para descrever datas, como em “Ano Quinto do Terceiro Milênio”. 

Oito mil anos passaram após a chegada da primeira navegação, ocorreram algumas guerras e disputas por territórios nesse meio tempo, algumas que inclusive definiram a divisão territorial dos impérios atuais, bem como marcaram a extinção de algumas feras mágicas extremamente poderosas que ocupavam essas terras.

Como “Príncipe Sombrio” não descrevia tão bem o folclore local, haviam algumas narrativas que lhe eram desconhecidas. Ele tinha lido sobre a falecida Dinastia Rou, que foi brutalmente devastada pela Dinastia Li, que tomou parte do território para construir o império de Lixue. Parte desse território foi vendido para que Lixue tivesse fundos para se estabelecer, e o território vendido mais tarde se tornou o império de Huanjing, que passou a ser dominado pela Dinastia Yang.

Apesar de coexistirem da maneira mais harmônica possível há milênios, como haviam quatro Dinastias vigentes e uma emergente na cidade-estado de Mingzhu, haviam muitos atritos políticos que passavam despercebidos pelos olhos da população comum. Na verdade, Jiang Lu estava muito mais familiarizado com esse aspecto, devido às narrativas detalhadas contidas em “Príncipe Sombrio”.

Enquanto Mei Ting continuava narrando detalhes sobre a história do continente, chegaram na cozinha do hostel, onde ela pediu café da manhã para os dois. Sentaram-se em uma mesa perto da janela e tomaram um chá quente para levantar os ânimos. Não conseguiu identificar a origem da bebida, pois era completamente analfabeto na arte do chá⁴, mas definitivamente seria um sabor que sua mãe teria no estoque. Era muito gostoso.

— Como muitos costumes ainda existem, mesmo que tenham sido refinados com o tempo — sua voz era bem didática, com a dicção clara e fluida —, o corte de cabelo em homens ou mulheres aparecem apenas como indicador de status social baixo, alguém muito pobre ou considerado indigno. Outro motivo seria o resultado de algum ritual que envolve o corte de cabelo, já que ele é visto como uma extensão dos meridianos. Seu aspecto não é o de alguém que enfrentou uma vida de infortúnios, mas o de uma pessoa que está em uma situação de azar único. Isso me faz pensar que tipo de vida você vivia antes de ser sequestrado.

O olhar dela era curioso, quase acusatório. Semicerrou as pálpebras ao encará-lo, os olhos felinos analisando seus poros profundamente.

— Ah, realmente… — titubeou, sentindo-se encurralado. — Minha vida anterior não pode ser chamada de “ruim”.

Suas palavras foram ambíguas propositalmente, pois sabia que mentir para ela seria dar um tiro no próprio pé. Precisava manter a cautela, principalmente com alguém que cortava mãos alheias como se brincasse com peças de lego.

Foi salvo de mais perguntas quando o café da manhã foi servido, uma variedade de pratos leves fumegantes dispersando um aroma de vegetais cozidos. Seus olhos brilharam e seu estômago rugiu, lembrando-o de que ainda não tinha consumido uma refeição decente. Rapidamente pegou os kuaizi e começou a se servir com uma porção de congee de carne para abrir o apetite, estava temperado com açafrão e pimenta fresca, com pedaços de alho poró e brócolis.

Quase gemeu de satisfação, apreciando o sabor como um perdido no deserto encontrando um oásis. Ao terminar, serviu-se de dois siu mai e os banhou com molho de soja. Ele ia pegar mais alguns quando avistou dois pães de gergelim ricamente recheados com carne bovina, não hesitou ao pegar um e comer, com o sabor explodindo na boca. A carne desmanchava, o tempero de alho era suave, acompanhado de um toque de mostarda e pedaços de cebolinha.

Satisfeito, recostou-se no lugar após beber um copo generoso de água saborizada com limão.

De olhos fechados, ouviu uma risadinha feminina que o fez abrir uma das pálpebras para observar.

Mei Ting se serviu de alguns bolinhos de arroz recheados, mas não parecia particularmente interessada em comê-los. Ao contrário disso, observava Jiang Lu como se este protagonizasse algum show muito divertido.

— Você come bem, XiaoDi. É bom se alimentar corretamente, já que você está em fase de crescimento.

Lu ficou um pouco envergonhado. Nunca pensou ser o tipo de pessoa que comia muito, mas porque normalmente era muito polido à mesa, e isso escondia o leão que vivia dentro de seu estômago. Na verdade, ele comeu pouco, porque após um período tão longo sem se alimentar, se sentia um pouco enjoado após algumas porções.

— Perdão pela falta de polidez à mesa, Mei-Jiē…

— Não há problema, as crianças sempre estão aprendendo, rapidamente você irá se adaptar — ela continuou após um gole da própria xícara. Lu observou a forma elegante como ela a segurava, muito semelhante a como já viu sua mãe fazendo, com os dedos polegar e indicador ao redor da borda, o médio e anelar no centro, com o mindinho levemente levantado. Para completar a regra de etiqueta, ela colocou a mão oposta sobre a primeira. Uma perfeita He Chi Lian⁵.

Era interessante observar esses detalhes, então, para não se sentir mais deslocado, tentou imitar o gesto. Foi meio sem jeito, quase tosco, mas ao menos serviu para fazê-la sorrir.

— Assim, XiaoDi — ajudou-o a segurar corretamente, colocando os dedos dele de maneira estratégica sobre a xícara. Ficou ridículo. — Tente não apertar os dedos, este é um objeto inanimado, ele não vai fugir.

Mei-Jiē deu dois tapinhas no topo da cabeça dele, condescendente.

— Deixe isso, por enquanto. A arte do chá requer treino e dedicação, mas estamos sem tempo.

Os dois levantaram juntos, Mei Ting deixou algumas moedas de ouro sobre a mesa e liderou o caminho para fora. Caminharam até os estábulos e, em todo esse tempo, Bing Dao não apareceu uma vez sequer. Foi bem sossegado, pois a mulher o levou em sua égua após alguns segundos de interação, onde Lu apaziguou dizendo que não era sua primeira vez andando à cavalo. Só não mencionou que sua experiência era apenas em pistas de equitação, não em estradas de chão onde o sacolejo era tanto que precisou reduzir a velocidade algumas vezes para não acabar vomitando.

Como dito por ela, na hora do almoço, eles chegaram na cidade.

Xuanyin erguia-se orgulhosamente à frente deles.


 

[1] “Festival de meio outono” — O festival de meio outono costuma ocorrer no começo de outubro, sendo culturalmente relacionado à comemoração da colheita para agradecer os deuses pela fartura.
[2] “Noob” — é uma gíria usada para se referir a alguém inexperiente ou novato, principalmente nos jogos.

[3] MuYin — é o “nome completo” do Continente Mu, onde a história ocorre.

[4] “Arte do chá” — 茶艺 (chá yì)  Significa a ” arte ou estética do chá”, que se relaciona a todos os aspectos, desde o preparo até a forma de servir o chá.

N/A: Kuaizi — palitos feitos de madeira ou bambu usados para comer, são um pouco mais longos que os hashi japoneses e tem as pontas arredondadas.

Congee — tipo de mingau que tem variedade de sabores e pode ser condimentado de várias formas.

Siu mai — Bolinhos abertos recheados com carne de porco, cogumelos e arroz glutinoso, geralmente guarnecidos com ovas de camarão ou caranguejo.

[5] “He Chi Lian” —  鹤持莲 (hè chí lián) significa “a garça sustentando o lótus”, usada para se referir a movimentos elegantes.

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Jiang Lu era um garoto como qualquer outro, nascido em berço de ouro, nunca experienciou os labores da vida. Então, ao acordar em um mundo totalmente diferente do seu numa manhã inexplicável, perguntou-se que tipo de deus, cruel e sanguinário, o colocaria em tamanha desvantagem.
Poderia alguém como ele, jovem e inexperiente, sobreviver aos desafios desse universo impiedoso?

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