Ler Dragão de Prata: 不道德的修炼之路 – Capítulo 01 Online
Que o pensamento vá tão rápido quanto veio.
Foi a primeira coisa que passou pela cabeça de Jiang Lu quando ouviu o murmúrio de seu irmão caçula. O menino, uma cabeça mais baixo que ele, estava sentado ao seu lado na beira da piscina, batendo os pés na água enquanto encarava fixamente seus primos brincando a alguns centímetros de distância.
“Seria divertido vê-los se afogando”, o garotinho de dez anos disse para si mesmo com uma seriedade que assustou o mais velho, mesmo que depois tenha sorrido e começado a tirar meleca do nariz como se nada tivesse acontecido.
Seria um murmúrio passível de ser ignorado, pois crianças dizem coisas estranhas o tempo todo, mas Jiang LiXiao tinha um histórico complicado de “brincadeiras” arriscadas, tentar afogar um dos primos não seria mais surpreendente do que qualquer outra das coisas que ele já tinha feito. Nasceu como uma criança sorridente, falador e absurdamente curiosa. Essa curiosidade o levou a cometer delitos “inocentes” na tentativa de entender como o mundo funcionava, até a psicóloga infantil que o acompanhava relatar à família que ele possuía um interesse anormal pela dor humana.
Com um suspiro trêmulo, Lu bagunçou os cabelos do irmãozinho, carinho este que foi rejeitado com um tapa que o fez se levantar e sair de perto dele, resignado. LiXiao costumava ser bem carinhoso com ele e seus pais, mas era muito rancoroso e não perdoava com facilidade. Como irmão mais velho, Lu costumava fazer pequenas promessas ao menor e sempre que falhava em uma delas, recebia o tratamento frio da criança por semanas.
Estava um pouco incomodado não apenas com essa situação, mas também com o entorno em que estava. Sua família, formada pelos dois irmãos, a mãe deles e o pai de LiXiao — consequentemente padrasto de Jiang Lu —, estavam na casa da avó Jiang para o fim de semana, onde se reuniram com os demais membros da família. Eram muitas pessoas e muito barulho desde o dia anterior, sentia-se sobrecarregado, então determinou interiormente que aquele era o fim da sua bateria social.
Passou por onde os adultos estavam e disse à mãe que iria entrar em casa primeiro, escapando antes que ela o chamasse de volta. Ela sempre insistia em mantê-lo como adorno no ambiente, na tentativa falha de fazê-lo interagir melhor com todo mundo.
Estava mentalmente cansado de tudo isso.
Filho de pais separados, viveu a infância transitando entre as duas famílias sem se sentir parte de nenhuma. A família de sua mãe era influente no mercado têxtil e a condição financeira de todos os membros era excepcional, pela tradição desse lado da família ser mais forte, herdou o sobrenome deles. A família de seu pai não era tão tradicional, mas era formada por três gerações de advogados e contadores. Tinha uma relação tranquila com ambas, porém, passou tanto tempo “pulando de galho em galho”, que se sentia um estranho no ninho.
Sentia-se ingrato por ter reclamações quando vivia confortavelmente com a fortuna que haviam construído ao longo das gerações, mas seus sentimentos não tinham um interruptor, no final das contas. Quando olhava para si mesmo, podia ver, no olhar constantemente ansioso, que tinha algo faltando.
Jiang Lu era o primeiro neto da família Jiang, tinha 17 anos, mas não havia crescido o suficiente para alguém acreditar na sua idade. Ele tinha o cabelo escuro como a maioria dos chineses, mas o deixava comprido, na altura dos ombros, porque gostava das ondulações que cresciam nas pontas; media pouco mais de um metro e sessenta, tinha os mesmos olhos escuros com pálpebras duplas de sua mãe, e herdou os dedos esguios de pianista de seu pai — embora o talento não tenha ido junto.
Tinha a voz suave, mas assertiva, possuía um comportamento tranquilo e um olhar saudosista que deixava as pessoas curiosas. Ele era bonito, o tipo de beleza que inibe as pessoas, o que podia ser uma bênção ou uma maldição para alguém com tão pouca habilidade social quanto ele.
Possuía um QI na média e uma oratória impecável, aprendera a caligrafia tradicional quando pequeno e escrevia com pincel por hobby. Seu interesse pelo uso de pincéis o levou para a pintura, algo que tinha talento, mas lhe faltava criatividade, pois apesar de ilustrar belas paisagens — que inclusive enfeitavam as casas de quase todos na família —, preferia retratar pessoas e raramente encontrava alguém que lhe despertasse a paixão necessária para se debruçar em uma tela por dias.
Tinha certa dificuldade de fazer amigos, pois não conseguia manter esses vínculos por muito tempo devido à sua personalidade introspectiva e, talvez, pelo seu medo da separação. Também não conseguia nutrir sentimentos românticos pelas meninas que conhecia, diferente dos outros garotos de sua idade, não via nada nelas que lhe chamasse atenção. Não conhecia ninguém real que lhe despertasse tais sentimentos.
Era normal para ele, àquela altura, procurar conforto em histórias fictícias, fosse em quadrinhos, animações ou livros. Isso estimulava sua mente e o fazia sonhar com o que era retratado ali e mesmo que fosse incapaz de visualizar as descrições em formato de imagens mentais, conseguia vislumbrar os universos fantásticos que lhes eram apresentados.
Pensando nisso, enquanto subia as escadas da casa de sua avó, murmurou algumas falas icônicas de suas histórias favoritas. Sua memória podia ser péssima para tudo, menos para isso.
Seguiu direto para o quarto de hóspedes que dividia com LiXiao, mas antes de se deitar para descansar, tomou banho, passou alguns produtos de nutrição nos cabelos e um hidratante no corpo, vestiu uma roupa confortável e jogou-se na cama após ligar o ar condicionado. Afundou o rosto no travesseiro por alguns segundos e esperneou para o silêncio desconcertante do cômodo, disposto a tirar um cochilo de duas horas — se sua cabeça parasse de fazer barulho.
Era sempre assim, após longas interações sociais, cercado de muitas conversas paralelas e música alta, começava a sentir um desconforto terrível, uma queimação no estômago e um ruído irritante nos ouvidos, como se o barulho continuasse ecoando em seu subconsciente. Como se estivesse hiperconsciente de tudo ao seu redor.
Após quinze minutos esperando um sono que não chegou, como se seu corpo inteiro estivesse em alerta, desistiu do cochilo e pegou seu celular de cima da mesa de cabeceira, abrindo na tela compacta o único método que forçava sua mente a ficar em silêncio: o Vvirtu.
O Vvirtu era um site de postagens de webnovels, principalmente chinesas, que Lu usava constantemente como válvula de escape. Participava de uma comunidade de leitores online dentro da própria plataforma e ali esgotava toda a interação humana que não conseguia desenvolver pessoalmente. Era um leitor compulsivo com uma lista de avaliações extensa, comentários críticos enchiam seu histórico e possuía seguidores que o tratavam como uma espécie de sommelier literário.
Era quase um expert.
Ao entrar no site com enorme familiaridade, verificou suas notificações e respondeu algumas menções, curtiu comentários elogiando suas avaliações e deletou os spams. Abriu o chat grupal com seus amigos virtuais e olhou por alto se tinha algo de interessante nas mais de trezentas mensagens da barra de rolagem. A maioria das coisas que mandaram eram puro papo furado, então estava prestes a fechar a aba para procurar algo para ler quando uma das mensagens chamou sua atenção. Uma miniatura da capa de baixa qualidade, com letras vermelhas incompreensíveis, compartilhada de dentro do site. Uma recomendação que ainda não conhecia.
Por ser um leitor assíduo, já havia esgotado todas as boas opções em algumas de suas tags favoritas, então seus olhos foram ansiosamente direcionados para a capa desconhecida acima das tags #cultivação e #xianxia. Na mensagem que a acompanhava, estava escrito: “Eu simplesmente não consegui dormir enquanto não terminei essa história, ela é fodaaaa! A autora finalizou o primeiro volume recentemente, então vocês tem que ler!”. Haviam algumas respostas abaixo, mas as ignorou.
Há um tempo não lia nada novo que fosse bom, apenas relia suas favoritas enquanto esperava os novos lançamentos dos autores que já conhecia. Por isso, à luz da possibilidade, abriu o link com animação. Na página inicial da novel, observou as informações básicas, como a capa de baixa resolução, a sinopse formada por um mero conjunto de emojis aleatórios e as duas tags especificando o conteúdo. Tinham poucas visualizações, era um lançamento recente, cerca de três meses apenas, mas a autora já havia concluído o primeiro volume. Isso o fez questionar a qualidade da escrita antes mesmo de abrir o primeiro capítulo.
— “O Príncipe Sombrio – Como nasce um vilão” — leu o título em voz alta, pensativo. Era meio genérico, até um pouco confuso, como se fosse uma história dentro da outra. Os títulos das novels, ao seu ver, eram a peça fundamental que conectava os leitores à obra. O título precisava conter uma descrição da história ou um elemento fundamental do enredo, então torceu para ser surpreendido. Manteve o coração aberto para seja lá o que viesse depois.
E ele veio.
Quando começou a ler, era um pouco depois do almoço, o sol estava alto no céu e sua família estava lá fora se divertindo. As horas foram passando rapidamente, o sol se pôs, o clima esfriou, todos voltaram para dentro, LiXiao e sua mãe entraram e saíram do quarto algumas vezes, tentaram falar com ele, mas foram brutalmente ignorados.
Estava obcecado. Completamente absorto na leitura.
O “Príncipe Sombrio” era simplesmente a melhor novel que ele já tinha lido em toda a sua vida!
Ao contrário do trabalho visual na capa da história, que sinceramente era uma merda, o conteúdo era excepcional. Possuía uma escrita impecável e envolvente, personagens complexos e uma trama tão bem desenvolvida que Lu se perguntou se era mesmo uma história com acesso gratuito. A descrição dos cenários e dos personagens era bem rica e nada maçante, até ele que não conseguia ler através de imagens mentais, conseguiu ter uma ideia clara dos ambientes onde as cenas aconteciam. Essa autora era, de fato, estupidamente talentosa.
Na narrativa, Wang Zhiyuan, o protagonista, era o segundo príncipe de uma dinastia fictícia. Anos sendo tratado apenas como a sombra de seu irmão gêmeo, o príncipe herdeiro, levaram-no a desenvolver um profundo rancor contra toda a família imperial. Deste rancor, surgiu o desejo sombrio de destruir a família e roubar o trono para si, mas sua natureza o impedia de ser frio o suficiente para usar bajulação ou jogo político de poder.
Por se tratar de um mundo de cultivação de habilidades físicas, mágicas e espirituais, Zhiyuan construiu sua vingança como qualquer protagonista faria, fortalecendo seu poder individual e criando vínculos com pessoas que pudessem auxiliá-lo nesse intento.
Em todo primeiro volume da história, a autora apresentou características da cidade imperial, detalhes sobre o mundo e, principalmente, sobre a personalidade de Zhiyuan. Gostou de como o personagem fora construído, justificando seu coração negro e orgulho incomparável como sendo heranças de seu pai, o imperador. Algo que seu irmão, o príncipe herdeiro, também possuía.
Lu devorou a história de uma só vez, lendo com pouca interrupção para beber água e ir ao banheiro. Apesar das reclamações de sua mãe, virou a madrugada lendo como sua nova obsessão se tornava mais forte e mais cruel a cada página, um homem egoísta, inteligente e igualmente… atraente.
Estava amanhecendo quando leu a última página, sentindo seu coração bater rápido com a emoção do desenvolvimento daquele arco, onde Zhiyuan abandonou a cidade imperial. A autora deixou muitas pistas do que poderia acontecer a partir dali, pois antes do conflito que forçou o príncipe sombrio a dar as costas para o império, ele já estava investigando as histórias sobre armas e artefatos de poder espiritual lendários, que só existiam no folclore local, mas que poderiam existir na vida real de acordo com seus élders.
Lu ponderou que a autora poderia desenvolver mais sobre essa caça ao tesouro, o que seria clichê de certo modo, mas ajudaria os leitores a conhecerem um pouco mais sobre o universo da história. A novel acontecia num estilo remetido à China da Dinastia Zhou¹, mas com um continente autoral, pouco parecido com qualquer país existente.
Mu, criado pela autora, era um continente-ilha banhado por dois oceanos, um à leste chamado Da Yu, outro à noroeste, chamado Da Yüer. Era dividido em cinco grandes territórios, quatro países e uma cidade-estado. Os países eram Lixue, Shaiming, Huanjing e Weiqi, onde a história acontecia; a cidade-estado era Mingzhu, que fazia fronteira com Lixue, mas pertencia a Weiqi.
Esses eram apenas conhecimentos básicos sobre o mundo, pois como o protagonista residia na cidade imperial e raramente saía dali, havia pouco ou nenhum aprofundamento do que havia em outros locais. Parecia que o mundo estava sendo desperdiçado ao ser resumido a um raio de poucos quilômetros.
Existiam outros elementos que foram citados, mas pouco abordados, como a existência de feras mágicas e outras criaturas com inteligência semelhante à humana, mas foi algo que apareceu em um ou dois parágrafos.
Portanto, quando a leitura acabou, Jiang Lu se sentiu injustiçado por ter tantas perguntas e nenhuma resposta. A história lhe causou um impacto daqueles, fazendo-o roer as unhas de ansiedade. Para tentar desabafar, deixou um comentário extenso para a autora, elogiando o trabalho e questionando, retoricamente, algumas coisas que lhe deixaram curioso. Outras pessoas deixaram comentários semelhantes, mas notou que nenhum deles fora respondido.
Havia notado nos capítulos anteriores que a autora não costumava responder a ninguém, também não deixava notas pessoais no começo ou no fim de cada postagem, apenas o conteúdo da novel seco e sem preparo algum. Ela também não respondia ou postava nada em seu perfil de criadora e o último login ocorreu no dia da última postagem. Teve um mal pressentimento sobre isso, mas estava com sono demais para elaborar.
Naquela noite, sonhou com um homem cujo olhar tremia de ganância e rancor.
Ele era lindo.
𖥟
— Maldita, filha da puta!!! — sua voz explodiu com a mais pura raiva, assustando as pessoas que estavam ao seu redor. Jiang Lu pouco se importou. — Como essa fudida tem coragem de…?!
Exaltado, o garoto passou as mãos pelo cabelo pela milésima vez, puxando os fios para tentar descontar sua irritação em alguma coisa. Andava de um lado para outro com o celular na mão, bufando como um touro. Não era o melhor ambiente para ter um ataque de fúria, mas o que podia fazer?
Se gabava por ser considerado um jovem tranquilo, quase apático, nada reativo, mas existiam muitas coisas capazes de tirá-lo do sério. O cancelamento de sua novel favorita, por exemplo.
— Porra!
Enfiou o celular no bolso para evitar arremessá-lo, ainda processando a notícia que acabara de receber.
Alguns meses se passaram desde que leu “Príncipe sombrio” pela primeira vez e, para seu horror, a autora sumiu após finalizar aquele primeiro volume. Não houveram atualizações desde então, apenas silêncio e ansiedade. Precisou recorrer a alguns tópicos no reddit com headcanons de outros leitores para conseguir suprir sua necessidade, só para quebrar a cara meses mais tarde com um pronunciamento meia-boca onde a autora apareceu do nada, anunciou o cancelamento da novel, e sumiu novamente sem responder ninguém.
Àquela altura, “Príncipe Sombrio” havia conquistado muitos fãs graças às recomendações feitas dentro das comunidades, já que não era feito trabalho de divulgação da história, os próprios leitores tomaram a frente. Infelizmente, a autora não recebeu esses números com gratidão. Em seu pronunciamento, ela disse que “[…] não esperava que a história tomasse tais proporções, era apenas um descarte para o universo.”
No fim, a criadora não amou a história tanto quanto os fãs e, a partir de então, só restariam fanfics e tópicos no reddit que, com o tempo, iriam desaparecer. Lu estava indignado, pois estava verdadeiramente apaixonado pela história e ansioso pela continuação. Obviamente, nunca tinha reagido tão agressivamente a um cancelamento no passado, porém, justificava essa emoção à falta de comprometimento da autora que, em seu pronunciamento final, tratou a novel como um pedaço de lixo.
Que desperdício!
Respirou fundo e tentou se acalmar, mesmo que seu coração ainda batesse muito rápido e seus ouvidos estivessem zumbindo. Estava em uma estação cultural em um passeio escolar, pararam para descansar na praça central e, enquanto seus colegas estavam distraídos com as atrações dos artistas de rua, Lu pegou o celular escondido para que seus professores não o vissem e reclamassem por isso. Foi um erro, deveria ter ouvido o conselho dos mais velhos e se atentado ao passeio, assim não teria estragado seu dia dessa maneira.
Percebendo que ainda estava andando nervosamente de um lado para o outro, parou por um instante e jogou a cabeça para trás, encarando o céu como se esperasse algum conforto divino. O ruído que vinha do movimento na praça serviu como uma âncora para a realidade, impedindo-o de ter um surto de descontrole emocional nada agradável.
Nem ele entendia porque estava tão frustrado.
— Você é jovem demais para estar tão estressado — alguém disse às suas costas, o som destacando-se entre os transeuntes. — Que tal relaxar assistindo o espetáculo?
Por um segundo, ficou na dúvida se essa pessoa estava falando consigo, então Lu virou na direção dele e o encarou com o cenho franzido, deparando-se com um homem idoso que usava uma calça cáqui e um colete de lã escuro cheio de pelos de gato. Ele estava sentado em um banquinho de madeira com um boneco de ventríloquo na perna esquerda e um chapéu de coquinho, virado para cima, aos seus pés. Dentro do chapéu, havia algumas notas e moedas.
— Está falando comigo? — perguntou ao homem com um tom que mais parecia um resmungo.
O velho, ao receber sua atenção, abriu um sorriso enorme e aquiesceu.
— Com você mesmo, meu jovem! Aproxime-se um pouco, deixe-me ajudá-lo a se divertir.
Por algum motivo, Lu sentiu um arrepio desconfortável com a sugestão. Olhou ao redor, ninguém parecia particularmente interessado neles dois, ignorando-os deliberadamente.
— Desculpe, senhor. Não estou interessado no seu número — mexeu nos bolsos com certa pressa, procurando algumas moedas do troco que lhe deram no fliperama mais cedo. — Aqui, é tudo que tenho nos bolsos agora.
Deu alguns passos para frente e abaixou para colocar as moedas no chapéu, na aproximação, surpreendeu-se ao escutar uma segunda voz, como um sussurro, inundando seus ouvidos.
— Está cansado dessa vida entediante, garoto?
Jiang Lu deu um pulo para trás e encarou o homem com os olhos arregalados. O velho continuava sorrindo do mesmo jeito idiota de antes, com as pálpebras fechadas e quase todos os dentes à mostra.
— O que você disse? — perguntou, para se certificar de que não tinha ouvido errado.
— Perguntei se está entediado, filhote.
O velho nem se mexeu.
— Nem fudendo…
Quase horrorizado, assistiu como o boneco de ventríloquo, voltado na sua direção, abria a boca e falava consigo como se tivesse vida própria.
— Você não deveria usar palavras tão ofensivas com os mais velhos, não te ensinaram a ser respeitoso com as gerações anteriores? — o boneco…
Nem tinha como descrever o fato de que “o boneco estava falando”, pois era humanamente impossível que isso acontecesse. Em contrapartida, o velho que o manipulava continuava sorrindo, na mesma posição de antes, sem qualquer movimento que indicasse que era ele quem dublava a versão chinesa da Annabelle.
— Uau, isso é assustador — deu alguns passos para trás, determinado a ir embora. — Agradeço pelo show, mas não estou interessado.
Por algum motivo, o boneco pareceu ficar irritado. Agora, como diabos um ser inanimado, sem expressões faciais, poderia demonstrar emoções?!
— Estava tentando ser legal com você, Jiang Lu — o boneco demoníaco falou novamente, dessa vez em um tom grave e quase ameaçador.
— Como você sabe meu nome?!
— Seres da sua espécie sempre causam problemas — ele continuou, soando cada vez mais estranho e distorcido. — Nosso acordo chegou ao limite, por isso, iremos devolvê-lo. A conexão foi estabelecida.
— Do que diabos você está falando? Velho maluco! Eu vou embora!
— Garoto estúpido, você deveria agradecer! Nós te salvamos! Maldito! Como ousa me tratar assim?! Eu, o grande…!
— Velho asqueroso! — Jiang Lu gritou, interrompendo-o. Isso chamou a atenção das pessoas para a cena. — Pervertido!
O boneco repousou em silêncio sobre a perna do velho finalmente, este que, pela primeira vez, parou de sorrir.
Lu já estava longe demais para notar como, em meio os sussurros acusatórios, o velho ventríloquo parecia não saber o que tinha acontecido e a forma como o boneco mantinha os olhos fixos em sua silhueta.
Depois do ocorrido, juntou-se com a sua turma novamente e decidiu não contar sobre isso a ninguém. Assustou-se um pouco com o fato daquele desconhecido saber seu nome, mas certificou-se de não ficar sozinho depois disso, caso ele fosse algum criminoso ou algo assim. Não precisou se preocupar por muito tempo, no entanto, pois o clima começou a fechar rapidamente e todos os alunos se dirigiram para o ônibus de excursão antes que a chuva caísse.
No caminho de volta, Lu abriu o pronunciamento da autora de “Príncipe Sombrio” novamente, dessa vez, com mais calma. “[…] não esperava que a história tomasse tais proporções, era apenas um descarte para o universo. Senti como se os deuses falassem através de mim e, mesmo que isso não faça sentido para vocês, era o que fazia sentido para mim naquele momento. Tão rápido quanto veio, a ideia se foi e já não consigo escrever mais palavra alguma sobre Wang Zhiyuan. Gostaria que pudéssemos nos encontrar mais vezes no futuro, mas é o fim para mim. Porém, não é um fim definitivo para Zhiyuan e companhia, a história continuará no imaginário daqueles que realmente o amam. Aqueles que eu queria atingir em primeiro lugar […]”
— Papo-furado.
Ao sentir que se estressava novamente, bloqueou o celular e ficou encarando através da janela, pensando.
Wang Zhiyuan não precisava dela para continuar existindo.
Seres da sua espécie sempre causam problemas.
As palavras daquele ventríloquo retornaram de repente, fazendo sentir um arrepio na coluna. Quando analisava as coisas que ele dissera, percebia o quão pouco sentido havia por trás delas. Talvez ele fosse apenas delirante e gostava de atormentar desconhecidos na rua, muito provavelmente escutou seu nome por coincidência e usou a oportunidade para lhe pregar uma peça.
Sim, isso fazia sentido.
Não fazia?
𖥟
Jiang Lu ficou terrivelmente doente após o passeio escolar.
Na mesma noite, teve uma febre forte que obrigou seus responsáveis a levá-lo para a emergência e, desde então, continuou hospitalizado. Os médicos não conseguiam explicar as raízes da doença, não havia um diagnóstico preciso, mas seus sintomas os impediam de liberá-lo. A febre ia e voltava, o garoto tinha raros momentos de consciência e estava desidratando mais rápido do que o soro era dosado.
Sua mãe começou a visitar templos para pedir pela saúde do filho, enquanto seu padrasto voltou a frequentar a igreja na esperança de obter algum milagre do deus católico-romano. Seu pai era o único que podia visitá-lo, uma vez que não conheciam a possibilidade de contágio da doença, era preferível que crianças e cuidadores não se aproximassem dele.
Lu ficou dez dias internado. No décimo dia, algo aconteceu.
Houve uma terrível tempestade que prejudicou a distribuição de energia da cidade, deixando todos sem luz por algumas horas da madrugada. O hospital tinha um gerador próprio, mas ainda precisaram de vinte minutos para conseguir ativá-lo.
Nesses vinte minutos, dentro da mais profunda escuridão, Jiang Lu desapareceu.
Nunca mais o encontraram.
[1] Dinastia Zhou: Período imperial conhecido pelo estilo governamental semelhante ao sistema feudal europeu. O termo chinês seria “sistema fengjian”.
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Jiang Lu era um garoto como qualquer outro, nascido em berço de ouro, nunca experienciou os labores da vida. Então, ao acordar em um mundo totalmente diferente do seu numa manhã inexplicável, perguntou-se que tipo de deus, cruel e sanguinário, o colocaria em tamanha desvantagem.
Poderia alguém como ele, jovem e inexperiente, sobreviver aos desafios desse universo impiedoso?